SIGIC para bingo
O Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) foi criado com o objetivo de minimizar o período que decorre entre o momento em que um doente é sinalizado como carecendo de uma cirurgia e a realização da mesma, garantindo, de forma progressiva, que o tratamento cirúrgico ocorre dentro de um tempo máximo estabelecido [1].
Este sistema pretende nivelar a procura e a oferta relativas a cirurgias com dois objetivos: (1) identificar e tratar atempadamente as situações clínicas dos utentes que necessitam de cirurgia e (2) promover a redução de custos do SNS associados ao tratamento de longo-prazo destas condições quando não-tratadas ou cronificadas.
No entanto, e apesar de a intenção do legislador ser benemérita e apontar a um problema crónico do Serviço Nacional de Saúde SNS – as listas de espera –, muito tem sido debatida, por causa das notícias[2] primeiro trazidas a lume no dia 23 de maio de 2025, a possibilidade de os incentivos produzidos por este sistema conduzirem a um comportamento abusivo por parte de alguns profissionais de saúde.
Comecemos por analisar alguns dados [3] gerais cedidos pela Direção Executiva do SNS para os últimos 5 anos (terminando em 2024), relativos a cirurgias realizadas em regime de produção adicional:
• Representaram cerca de 26% das cirurgias totais realizadas nos hospitais públicos, tendo registado um aumento todos os anos ao longo deste período.
• O peso das cirurgias feitas extra-horário regular passou de 19,3% em 2020 para
32,6% em 2024, representando três em cada dez cirurgias realizadas no SNS.
• Tem sido registado um crescimento de cirurgias extra-horário acima do crescimento global de cirurgias, tendo as operações “fora de horas” aumentado a um ritmo 2,4 vezes mais elevado do que o aumento de cirurgias globais.
Com base nestes dois pontos, podemos deduzir que a procura por cirurgias “fora de horas” aumentou, com velocidade crescente, nos últimos cinco anos (pelo menos), o que induziu o
aumento também da oferta nesta modalidade. A consequência óbvia é a redução das complexas listas de espera para cirurgias. O custo de oportunidade é o incremento de despesa por parte do Estado.
A principal questão é: estará o SIGIC a ser utilizado para cumprir a sua missão, ou estarão os incentivos por si produzidos a resultarem no abuso de uma situação excecional para benefício financeiro individual e indevido?
A questão imediatamente seguinte a esta é: estará a oferta a ter um comportamento adequado, maximizando a alocação do seu tempo em horário laboral para a realização destes procedimentos? Ou, por outra, existirá uma indução da procura para o SIGIC, transformando procedimentos mais simples em cirurgias e/ou promovendo a alocação do tempo de trabalho regular de forma menos eficiente, aumentando artificialmente a lista de espera e, portanto, o fluxo de cirurgias elegíveis para SIGIC?
Outras questões podem surgir relativamente à codificação dos atos, o seu impacto no rendimento dos médicos e os regimes laborais em que atuam serem do melhor interesse para o
SNS.
A assimetria de informação impede-nos de conseguir responder a todas estas perguntas devidamente; contudo, permito-me avançar algumas pistas que podem fomentar soluções que
garantam o bom funcionamento e maximização de eficiência deste programa:
1. Garantir que os procedimentos em “horário normal” são suficientemente atrativos e que são privilegiados no horário médico, valorizando a existência de um comportamento
esperado.
2. Limitação da realização de procedimentos SIGIC aos médicos que se encontram no regime de dedicação exclusiva, delimitando o grupo de profissionais disponíveis e
passíveis de auditoria e reforçando o alinhamento de incentivos.
3. Extrair lições da auditoria em curso pela IGAS [4] e, com elas, implementar uma conferência centralizada dos procedimentos SIGIC transparente, harmonizada e transversal a todos os hospitais, alavancando o know-how adquirido com o Centro de Controlo e Monitorização do SNS na conferência de faturas. Isto pressupõe a justificação do procedimento SIGIC e a análise comparativa dos dados cirúrgicos do hospital com a sua necessidade, usando a verificação da codificação (para redução de erros e deteção precoce da fraude) e promovendo o pagamento das prestações devidas apenas após a verificação da codificação ser validada por uma terceira parte exterior ao fluxo clínico, reduzindo as ineficiências nos custos.
É certo que não conseguiríamos responder a todas as questões acima consideradas, mas o estudo dos comportamentos subjacentes poderá ajudar a encaixar mais uma peça no puzzle
complexo que é o melhoramento da eficiência do SNS.
[1] Portaria n.o 45/2008, de 15 de Janeiro
[2] https://cnnportugal.iol.pt/hospital-santa-maria/servico-de-dermatologia-hospital-santa-maria/dermatologista-ganhou-400-mil-euros-por-10-dias-de-trabalho-no-maior-
hospital-publico-do-pais/20250523/6830c44fd34ef72ee4465f79
[5] https://ccmsns.min-saude.pt/
Joana Gomes da Costa
Investigadora no Nova Health Economics and Management Knowledge Centre