Telessaúde e coesão territorial em Portugal
As disparidades no acesso aos serviços públicos, nomeadamente à saúde, continuam a evidenciar as clivagens territoriais em Portugal. A concentração de recursos, profissionais e infraestruturas nas grandes cidades deixa a descoberto os desafios que persistem noutras zonas do país. Nos territórios de baixa densidade, tornam-se particularmente visíveis as dificuldades na fixação de médicos e no acesso físico a cuidados de saúde. Aqui somam-se distâncias, falta de transportes e menor oferta local. Este cenário contrasta com o princípio de universalidade do Serviço Nacional de Saúde e expõe desigualdades que permanecem por resolver.
Neste contexto, a telessaúde surge como uma oportunidade estratégica para mitigar desigualdades no acesso. Ao permitir a prestação de cuidados à distância, não substitui a presença física quando necessária, mas pode complementar eficazmente o modelo tradicional, sobretudo em contextos onde o acesso é mais frágil. Há ganhos evidentes em acessibilidade, particularmente para pessoas com mobilidade reduzida, utentes em territórios de baixa densidade ou com dificuldade de acesso a transportes. Pode também melhorar a gestão das doenças crónicas, facilitar o acompanhamento regular e aliviar a pressão sobre os serviços de prestação de cuidados de saúde.
A pandemia de COVID-19 funcionou como catalisador da telessaúde. Por razões de segurança, os contactos presenciais foram limitados, levando a uma adoção generalizada de consultas não presenciais. No caso específico português, o dataset “Consultas Médicas nos Cuidados de Saúde Primários” do Portal da Transparência oferece desdobramento detalhado dos tipos de consulta, presenciais, não presenciais e domiciliárias, por região, permitindo captar padrões antes, durante e após a pandemia de COVID-19. Os dados mostram um aumento significativo das consultas à distância após março de 2020, mas, nos meses subsequentes ao pico pandémico, observa-se heterogeneidade regional na manutenção das consultas remotas. Algumas regiões reduziram rapidamente a dependência, enquanto outras preservaram níveis mais elevados de adoção ao longo do tempo. Estas variações sugerem que os contextos locais condicionam a implementação e a sustentabilidade do modelo.
A consolidação deste modelo enfrenta limitações conhecidas: a exclusão digital de alguns grupos populacionais (ex: literacia digital baixa em idosos), a resistência de profissionais de saúde e a necessidade de garantir qualidade e continuidade nos cuidados prestados à distância. Para que a telessaúde contribua para reduzir a iniquidade, é indispensável investir em infraestruturas tecnológicas, formação e literacia digital. Sem estas condições, existe o risco de que uma ferramenta concebida para aproximar acabe, paradoxalmente, por acentuar desigualdades.
Importa notar que em 2019, Portugal lançou o 1.º Plano Estratégico Nacional de Telessaúde, tornando-se o quarto país no mundo com tal estratégia. Esse compromisso político é relevante, mas é essencial avaliar de que forma esta e as intervenções subsequentes melhoraram o acesso aos cuidados de saúde, sobretudo para populações vulneráveis e áreas com serviços de saúde limitados.
Torna-se, por isso, importante conhecer melhor os padrões regionais de utilização, as experiências dos utentes e os impactos clínicos das teleconsultas para orientar políticas públicas informadas.
Se bem planeadas e monitorizadas, a telessaúde e as tecnologias que a suportam podem ser instrumentos importantes para reforçar a coesão territorial e dar um novo impulso à missão do SNS: garantir acesso universal e equitativo a cuidados de saúde de qualidade.
Joana Ferreira Cima
Professora Auxiliar, EEG/Universidade do Minho
Membro Integrado, NIPE/Universidade do Minho