Unidades Locais de Saúde: Uma janela de oportunidade para os cuidados de saúde primários domiciliários
A reforma de política de saúde [1] que levou à generalização do modelo organizacional das Unidades Locais de Saúde (ULS) tem feito correr muita tinta. Recentemente, foi notícia pelo alargamento de um tipo de prestação de cuidados de saúde, a hospitalização domiciliária [2] na sequência de um período de internamento. As vantagens são claras.[3]
A expansão das ULS tem um efeito direto no financiamento da prestação de cuidados de saúde, dada a integração vertical da contratualização com o Ministério da Saúde. Terá potencialmente muitos efeitos indiretos, nomeadamente na organização da prestação de cuidados de saúde. Em particular, há uma porta que se abre: a de casa, através de cuidados de saúde primários domiciliários.
A ideia não é nova [4]. Cuidados de saúde primários domiciliários são programas de cuidados prestados a populações de alto risco, doentes clinicamente vulneráveis, frequentemente com múltiplas doenças crónicas, quando e onde necessitem de cuidados [5]. Estas pessoas tipicamente terão dificuldade em se deslocar ao centro de saúde ou ao hospital e têm limitações nas suas atividades diárias, e precisam de apoio de cuidadores, formais ou informais. São também pessoas que terão um elevado custo para o sistema de saúde, especialmente se o percurso típico do doente incluir viagens frequentes às urgências e episódios de internamento.
Os cuidados de saúde primários domiciliários são de muitas formas e feitios, mas tipicamente incluem cuidados por equipas multidisciplinares, enfermeiros de caso, visitas domiciliárias urgentes para evitar episódios de internamento e/ou visitas às urgências, e a criação de relações de longo prazo entre os prestadores, os doentes, e os seus cuidadores. É precisamente essa uma das condições para o seu sucesso [6] – equipas interdisciplinares, com horários flexíveis, com capacidade de coordenação com serviços médicos e de apoio social. O sucesso e a generalização das USF modelo B [7] mostra que é possível implementar este tipo de equipas em Portugal.
No contexto atual de envelhecimento populacional, com crescimento da população potencialmente frágil, com comorbilidades, dificuldades de mobilidade e transporte, é urgente implementar novas formas de dar resposta às suas necessidades de cuidados de saúde. As ULS criaram a janela de oportunidade para transformar a prestação de cuidados de saúde primários. O modelo de financiamento das ULS gera os incentivos necessários à adoção de modelos de prestação de cuidados que integrem os objetivos tanto de cuidados de saúde primários como de cuidados de saúde secundários. Na prática, uma ULS beneficia muito em manter os doentes fora do hospital e tem as ferramentas necessárias – tanto de prestação de serviços como de financiamento – para criar as estruturas que permitem uma coordenação ativa entre cuidados hospitalares e cuidados de saúde primários. Neste contexto, seria fácil pensar na criação de um novo tipo de USF, talvez não com um novo modelo de financiamento, mas com um novo modelo de prestação de cuidados ao domicílio.
Os resultados [8] da implementação de programas de cuidados de saúde primários domiciliários falam por si. Especialmente importantes são as melhorias nos níveis de qualidade de vida e satisfação dos utentes, dos seus cuidadores. A diminuição de custos beneficia o sistema como um todo e permite uma utilização mais eficiente dos recursos cronicamente escassos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), tanto físicos, como humanos. Está na hora de abrir esta porta no SNS – a porta das USF-D.
Sara Machado (CHeSS – Center for Health System Sustainability, Brown University School of Public Health, and LSE Health, London School of Economics)
Fontes:
[1] Site do Serviço Nacional de Saúde (2024) ( https://www.sns.gov.pt/noticias/2024/01/01/arranca-nova-fase-da-organizacao-do-sns/ )
[2]Jornal Publico (2025) (https://www.publico.pt/2025/02/01/sociedade/noticia/hospitais-querem-aumentar-capacidade-internar-doentes-casas-2024-11500-doentes-tratados-casa-2120529)
[3]Blog “Momentos económicos… e não só” (2025) ( https://momentoseconomicos.com/2025/02/03/noticias-da-semana-que-passou/)
[4]Medcentral “Is Home Health Care the Next Primary Care Model?” (2024) (https://www.medcentral.com/routine-care/is-home-health-care-the-next-primary-care-model )
[5]AAHCM ” Home-Based Primary Care” (2024) (https://www.aahcm.org/what_is_hbpc)
[6]Zimbroff , Robert M., et al. “Home-based primary care: A systematic review of the literature, 2010–2020” Journal of the American Geriatrics Society Volume69, Issue10 (2021) 2963-2972.
[7]Portugal Gov (2023) (https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/comunicado?i=222-novas-usf-b-a-partir-de-janeiro-de-2024)
[8]Lizano-Díez, Irene et al. “Impact of Home Care Services on Patient and Economic Outcomes: A Targeted Review”. Home Health Care Management & Practice Volume 34 Issue 2 (2022) Pages 148-162.