Nos últimos tempos assistimos a uma vaga de refugiados na sequência da invasão militar, lançada pela Federação Russa à Ucrânia. A 31 de março, 4,1 milhões de residentes na Ucrânia já tinham saído do país [1] e, entre 9 e 16 de março, 6,5 milhões encontravam-se deslocados internamente, devido ao conflito [2].
A população, alvo de relocalização forçada, com condições de vida precárias, enfrenta muitas vezes limitações no acesso a bens essenciais e encontra-se alojada em abrigos improvisados ou locais sobrelotados, nem sempre com as melhores condições. Neste cenário, propício ao surgimento de doenças, é do interesse destes migrantes e dos países de destino que os irão acolher que se aumente a vigilância epidemiológica e garanta o acesso a cuidados de saúde adequados e atempados. No acolhimento de refugiados, é fulcral que os países de destino possam garantir o acesso aos cuidados de saúde básicos, tais como:
- Possibilidade de realização de testes para a Covid-19, dado o contexto atual;
- Assistência e medicamentos para a gestão das condições de saúde e doenças crónicas pré-existentes;
- A integração no plano de vacinação dos países de acolhimento;
- Ajuda e acompanhamento para lidar com o trauma e outros fatores de stress que possam influenciar a sua integração, devido às experiências extremas vividas nos países de origem;
No entanto, não chega pensar apenas nos cuidados imediatos, é necessário pensar a médio/longo prazo. Aos refugiados que chegam a países da União Europeia, é-lhes dada proteção temporária durante três anos, o que lhes permitirá aceder ao mercado de trabalho, educação, habitação e assistência médica, durante esse período. Mas, o limite temporal de três anos poderá impedir que pensem numa integração plena, dada a indefinição do que acontecerá findo esse período. Essa mesma indefinição poderá levar a uma eventual renitência, da parte dos países que os recebem, em pensar e programar uma integração mais definitiva e completa. Assim, devido à vulnerabilidade destes migrantes, e até porque estes conflitos se podem estender por períodos indefinidos, é fundamental assegurar a total integração dos mesmos na sociedade que os recebe, e garantir que este apoio e permanência vá mais além do que o período inicial de chegada e adaptação, mesmo após o término do conflito.
Diversos autores reportaram diferenças no estado de saúde e bem-estar em migrantes e refugiados na Europa [3]. Os migrantes partem de uma situação pior, porque podem enfrentar barreiras linguísticas, culturais ou sociais que impeçam a sua adequada integração nos países de destino, originem discriminação e limitem o acesso aos cuidados de saúde ou a compreensão de campanhas de promoção e prevenção em saúde. Assim, torna-se essencial que, na integração no país de acolhimento, haja sensibilidade para as diferenças entre (e dentro) (d)os vários grupos culturais e religiosos e não se imponham valores e normas que possam ser conflituantes. Estas dificuldades podem ser particularmente sentidas pelas mulheres. Uma revisão da literatura examinou a experiência das refugiadas no acesso a cuidados de saúde reprodutiva. O seu acesso era dificultado pelo choque entre as normas sociais e preferências acerca da fertilidade e acerca da dimensão das famílias, pela discriminação sentida e pelo enviesamento dos cuidadores [4].
Os migrantes enfrentam normalmente uma situação desfavorável ao nível do mercado de trabalho, desde logo pela menor oportunidade em encontrar trabalho qualificado, que corresponda às suas habilitações [5]. Assim, ficam expostos a trabalhos menos qualificados, muitas vezes em regime de precariedade, que poderá levar a situações de stress, dado o seu menor nível de controlo e autonomia, e a maiores riscos ocupacionais. Ainda, de uma maneira geral, os migrantes têm um nível de rendimento inferior e maior risco de pobreza do que os nativos [5]. Há muito que se sabe que o rendimento funciona como protetor da saúde [6]. Este será determinante para explicar as suas oportunidades na vida e o acesso a recursos materiais, por exemplo. A falta de recursos pode ainda limitar o acesso a cuidados básicos, nomeadamente saúde, que pode exacerbar as desigualdades geradas pelos outros fatores referidos anteriormente.
A população infantil é particularmente vulnerável, dado que os pais refugiados estão em situação de extrema carência económica, quando chegam aos países de destino. Esta situação de carência pode ter efeitos imediatos, na medida em que influencia a possibilidade de adquirir bens essenciais, e no futuro, uma vez que pode condicionar o seu acesso à educação. No entanto, os países de acolhimento podem quebrar as potenciais desigualdades futuras. Um estudo recente analisou o impacto da ajuda governamental fornecida a refugiados que migraram para a Alemanha Ocidental da República Democrática Alemã, após o fim da Segunda Guerra Mundial, com crianças e jovens adultos [7]. Esta ajuda incluía bolsas de estudo para estudantes. Os resultados demonstraram que, por exemplo, os jovens adultos elegíveis de sexo masculino tinham uma probabilidade superior, em 13,4 pontos percentuais, de completar o ensino superior, em comparação com os não elegíveis. Apesar de algumas diferenças de género, o estudo encontrou evidência de que a ajuda específica aos refugiados pode ter um papel essencial na sua integração e no seu sucesso económico em idades adultas.
A saúde dos refugiados pode ser influenciada por condições anteriores, condições à chegada ou posteriores ao período de adaptação. Mas os países que recebem os refugiados têm poder para influenciar as últimas duas. É importante garantir que se reúnem as condições necessárias para minimizar as desigualdades a médio/longo prazo nestes países de acolhimento e para que se quebre o padrão de injustiça social que faz com que os refugiados vivam abaixo da sua saúde potencial.
Joana Alves
Escola Nacional de Saúde Pública
Referências:
[1] Operational Data Portal (OPD). Ukraine refugee situationhttps://data2.unhcr.org/en/situations/ukraine/location?secret=unhcrrestricted (2022, accessed 1 April 2022).
[2] International Organization for Migration (IOM). Almost 6.5 Million People Internally Displaced in Ukrainehttps://www.iom.int/news/almost-65-million-people-internally-displaced-ukraine-iom (2022, accessed 1 April 2022).
[3] Lebano A, Hamed S, Bradby H, et al. Migrants’ and refugees’ health status and healthcare in Europe: A scoping literature review. BMC Public Health; 20. Epub ahead of print 2020. DOI: 10.1186/s12889-020-08749-8.
[4] Chalmiers MA, Karaki F, Muriki M, et al. Refugee women’s experiences with contraceptive care after resettlement in high-income countries: A critical interpretive synthesis. Contraception 2022; 108: 7–18.
[5] Lelkes O, Platt L, Ward T. Vulnerable groups: the situation of people with migrant backgrounds. In: Ward T, Lelkes O, Sutherland H, et al. (eds) European Inequalities: social inclusion and income distribution in the European Union. TÁRKI Social Research Institute Inc., pp. 69–101.
[6] Cutler DM, Lleras-muney A, Vogl T. Socioeconomic status and health: dimensions and mechanisms. NBER; 14333. Epub ahead of print 10 September 2008. DOI: 10.3386/w14333.
[7] Black SE, Liepmann H, Remigereau C, et al. Government aid and child refugees’ economic success later in life: Evidence from post-WWII GDR refugees. Labour Econ; 75. Epub ahead of print 2022. DOI: 10.1016/j.labeco.2021.102099.