As eleições são sempre um momento de balanço e ponderação de novas propostas e alternativas. Nestas eleições, a saúde será certamente uma prioridade para a maioria dos portugueses. Os últimos dois anos de pandemia puseram à prova o sistema de saúde – e o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em particular – tendo acentuado alguns dos problemas estruturais que já vinham de trás. Os programas eleitorais dos partidos políticos introduzem um conjunto de propostas para endereçar os vários problemas. Porém, no meio de tantos desafios, nem sempre é clara a hierarquização dos mesmos. Do meu ponto de vista, há três desafios prioritários para endereçar na próxima legislatura.
Frequentemente, coloca-se a discussão sobre o orçamento da saúde como elemento central e primordial da política de saúde. Contudo, apesar dos reforços orçamentais dos últimos anos, persistem problemas de gestão e de liderança no SNS. Um dos sinais deste problema é o desvio sistemático da execução face aos orçamentos – com a consequente acumulação de pagamentos em atraso. Por isso, torna-se fundamental rever os modelos de gestão do SNS, enquadrados numa governance global do sistema. Por exemplo, promovendo a verdadeira autonomia das instituições na sua gestão – em particular de recursos humanos – bem como efetuando uma revisão dos contratos e incentivos das administrações hospitalares.
Não menos importante do que os desafios de gestão são os problemas que afetam os profissionais de saúde. Os recursos humanos são a espinha dorsal do SNS. Porém, ao longo dos últimos anos, o sistema de saúde português deparou-se com a dificuldade de atração e retenção de profissionais para determinadas especialidades e regiões. Veja-se, por exemplo, a dificuldade crónica em garantir um médico de família para cada utente. Torna-se por isso necessário efetuar uma revisão profunda e abrangente das carreiras no SNS, que deverá ir além das discussões correntes sobre progressões ou exclusividade. É importante definir novos modelos ágeis e flexíveis de gestão de recursos humanos, tendo em consideração a relação delicada entre o setor público e privado. Para além disto, está na altura de desenvolver modelos assentes na partilha de competências entre profissionais para suprir as dificuldades sentidas ao nível do acesso a cuidados de saúde, particularmente em zonas carenciadas.
Para além destas dimensões, a maioria dos programas eleitorais coloca o acesso aos cuidados de saúde como uma das principais prioridades. Partilho – imagino que com a maioria dos portugueses – esta prioridade. Ao longo dos últimos anos, várias medidas foram implementadas para promover o acesso a cuidados de saúde, com a criação de novas respostas nos cuidados de saúde primários (por exemplo, ao nível da medicina dentária), ou a remoção das taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários. Contudo, permanecem diversos desafios. Entre esses, as listas de espera para consultas de especialidade, exames e cirurgias são um problema central do SNS. Por isso, é importante efetuar uma revisão do SIGIC e avaliar os incentivos que o sistema cria entre profissionais e instituições. Adicionalmente, é necessário definir soluções que garantam o aumento da capacidade do sistema, de modo a reduzir as listas de espera. Estas soluções poderão ser desenvolvidas dentro do setor público e/ou recorrendo ao setor privado, e podem ter um caráter temporário ou permanente. Adicionalmente, a despesa direta das famílias com medicamentos – que incide desproporcionalmente sobre os mais vulneráveis – permanece muito elevada em Portugal. É urgente uma revisão dos modelos de comparticipação para garantir a continuidade de cuidados destes utentes.
As prioridades para a saúde são função das convicções e experiências de cada um. Da esquerda à direita, existem inúmeras propostas em discussão que podem contribuir para transformar o nosso sistema de saúde. Estas propostas traduzem visões diferentes (muitas vezes diametralmente opostas) para o futuro da Saúde em Portugal. Que o debate das próximas semanas seja esclarecedor, profundo, e contribua para que cada português conheça as propostas que endereçam as suas prioridades.
Eduardo Costa
Nova School of Business & Economics, Universidade Nova de Lisboa