Três observações importantes podem ser retiradas da experiência da COVID-19. Em primeiro lugar, a pandemia mostrou que cuidar da saúde não se cinge ao tratamento dos doentes, que a melhor forma de combater a morte é evitar a doença e que, sem prevenção, as unidades de cuidados de saúde ficam assoberbadas e sem capacidade de resposta. Pensa-se geralmente no Serviço Nacional de Saúde (SNS) em termos de prestador de cuidados, mas a salvaguarda da saúde exige muito mais, além do que o SNS pode oferecer.
Em segundo lugar, a pandemia expôs as desigualdades sociais na população portuguesa. Enquanto o discurso exaltava o valor da vida, algumas vidas valiam menos do que outras: as de quem não tinha possibilidade de se confinar, ou as de quem sofria dos fatores de risco, tão marcados socialmente, da COVID-19. Assim, as populações mais desfavorecidas foram mais infetadas, mais internadas e morreram mais. O SNS nunca poderá corrigir sozinho as desigualdades em saúde de uma sociedade que é em si desigual.
Finalmente, a pandemia parece ter sido potenciada pela destruição pelos homens do habitat natural de outras espécies. O SNS nunca poderá corrigir a desregulação ambiental, cujas consequências múltiplas (ondas de calor, secas e inundações, poluição, etc.) já têm efeitos desastrosos na saúde.
Ficou assim claro, nesta situação pandémica, que a saúde está também (ou está sobretudo) relacionada com medidas de saúde pública, com a situação económica e social, e com o contexto ambiental que, por sua vez, dependem de opções políticas. Embora o SNS continue no centro das atenções políticas no que toca à sua capacidade de resposta à doença, espera-se que sejam retirados outros ensinamentos desta pandemia e que sejam estabelecidas as bases de um verdadeiro programa para a saúde.
Na saúde pública, além do reforço das equipas ao nível local, dedicadas e “empoderadas”, importa que sejam tomadas medidas corajosas, à imagem das políticas da alimentação, sem receio de confrontar setores económicos poderosos com atividades nocivas para a saúde. Várias políticas existem cuja efetividade foi demonstrada, como sendo o reforço da proibição de fumar nos locais públicos, a redução do sal no pão, a taxação de alimentos não saudáveis ou a rotulagem dos alimentos.
No combate às desigualdades em saúde, as medidas de saúde pública acima mencionadas também funcionam, dado que alteram o contexto da população sem depender do capital económico ou cultural das pessoas. Mas outras medidas efetivas de redução das desigualdades em saúde passam por políticas sociais e económicas, como por exemplo o acesso à habitação adequada, condições de trabalho decentes ou educação desde a infância.
Nos aspetos ambientais, também existem sinergias com as medidas de saúde pública (um exemplo disso é a taxação das carnes vermelhas, que combinam o impacto negativo na saúde com a pegada ecológica). Mas, também, muito mais pode ser feito através de políticas económicas, ambientais ou urbanas: promover a eficiência energética na construção, subsidiar os transportes de baixo custo, criar espaços verdes, etc.
Por isso, a saúde apenas será defendida se for um objetivo prioritário do governo, transversal a todos os ministérios, com equipas de trabalho inteiramente dedicadas. Porque a pandemia vem recordar-nos o lema antigo: a saúde está em todas as políticas.
Julian Perelman
Escola Nacional de Saúde Pública, UNL