Nesta segunda rubrica em que convidamos recém doutorados em Economia da Saúde a apresentar a sua tese de doutoramento fique a conhecer o trabalho da Rita Bastião.
Avaliação de desempenho, estrutura organizacional e interdependência espacial nos cuidados de saúde primários
Recentemente defendida, a minha tese de doutoramento centra-se na avaliação de desempenho das diferentes estruturas organizacionais, que coexistem atualmente na rede de cuidados de saúde primários em Portugal. A tese está estruturada em quatro ensaios empíricos, alicerçados numa base de dados com todas as unidades de cuidados de saúde primários (CSP), para o período de 2009-2014. Os CSP desempenham um papel fulcral no Sistema Nacional de Saúde (SNS), com indeléveis reformas nos últimos anos, e assentam num sistema organizacional híbrido ao nível das estruturas de topo e das que prestam o primeiro nível de cuidados de saúde, de acordo com o esquema simplificado abaixo. Este estudo iniciou-se na senda de uma reforma estrutural, alinhada com as melhores práticas, mas paralelamente a padecer de uma avaliação quantitativa abrangente. Internacionalmente, tem sido enfatizado o reflexo inovador das Unidades de Saúde Familiares (USFs).
O primeiro ensaio centra-se na avaliação dos níveis de eficiência e eficácia dos CSP, dado que o impacto das reformas não é consensual, com o objetivo de contribuir para a avaliação das mesmas numa vertente científica e com enfoque transversal. Por um lado, foi explorado se as unidades que beneficiam de remuneração baseada no desempenho apresentam melhores resultados. Por outro, foi analisado se a ineficiência persiste imutável entre estruturas organizacionais. Com base em metodologias de análise de eficiência não paramétricas, os resultados obtidos evidenciam uma acentuada heterogeneidade organizacional e geográfica, com uma eficiência média entre 0.3-0.97, que tem permanecido estável. A evidência empírica corrobora que as USFs são mais eficientes que os centros de saúde, e que as de modelo B exibem níveis de desempenho superiores. Em contraposição, as estruturas que pertencem a Unidades Locais de Saúde apresentam níveis de eficiência (eficácia) mais baixos (elevados), sinalizando um plausível compromisso na integração de cuidados, dadas as taxas de referenciação comparativamente inferiores. Este estudo proporciona uma melhor compreensão dos catalisadores de um sistema de CSP mais robusto, reafirmando que deve ser fomentada a implementação de USFs, com o objetivo de aumentar a eficiência e eficácia do SNS, com poupanças potenciais de cerca de 50%.
No segundo ensaio pretende-se perceber os determinantes de sucesso das transições entre USFs, que podem progredir de modelo A para B, passando a beneficiar de incentivos financeiros preconizados, e mediante o cumprimento de determinados requisitos e numerus clausus pré-estabelecidos. Este estudo assenta nos pilares de remuneração em função do desempenho e empreendedorismo na saúde, e ganha ímpeto face à dicotomia observada entre o número de candidaturas voluntárias e aprovações obtidas. A partir de análises de sobrevivência, a evidência empírica sugere que as USFs-A demoram cerca de três anos a transitar para modelo B, sendo que esta transição é positivamente influenciada pelo nível de eficiência alcançado (calculado uniformemente para todas as USFs), pela pertença à Administração Regional de Saúde Norte, por serem de maior de dimensão e com um nível de maturidade superior, e negativamente pela inclusão num sistema de integração vertical ou localização em regiões mais envelhecidas. A compreensão dos determinantes das transições é vital para se estabelecer o número apropriado de unidades a transitar, com critérios transparentes, economicamente sustentáveis e justos para profissionais e utentes e que, simultaneamente fomente um ambiente fértil de empreendedorismo como baluarte de eficiência acrescida.
No terceiro ensaio analisa-se o impacto na eficiência quando as USFs transitam de modelo A para B, com vista a perceber uma possível combinação de efeitos de transição e seleção. Organismos internacionais e o próprio Memorando de Entendimento da Troika enfatizam o fortalecimento das USFs, uma vez que aumentaram a acessibilidade, a eficiência económica e a qualidade efetiva, mas a crise económica desacelerou as transições entre modelos. A interligação de fundamentos da teoria económica que sugerem que profissionais de saúde devidamente incentivados atingem níveis superiores de desempenho, com o facto da evidência empírica anterior não ser unânime, quanto à magnitude e impacto deste regime remuneratório, motiva a análise das recompensas na esfera coletiva das USFs. Com o apoio de modelo de efeitos fixos e propensity score matching, os resultados obtidos apontam para ganhos de eficiência técnica na ordem dos 4 pontos percentuais combinando o impacto da transição e de efeitos de seleção, sendo este contributo economicamente relevante. Assim, a promoção das USFs para modelo B poderá reforçar o desempenho dos CSP e do SNS.
O último ensaio foca-se na interdependência espacial dos CSP, no sentido de compreender se os resultados observados numa unidade de saúde dependem das unidades vizinhas, numa abordagem que acolhe os mais recentes modelos de econometria espacial parcamente disseminados. O enfoque nesta estratégia assenta num conjunto de argumentos. Por um lado, as estruturas centrais podem ser uma fonte potencial de heterogeneidade na adoção das melhores práticas clínicas e, na própria capacidade de implementar reformas. Por outro lado, a competição informal entre unidades de saúde é fomentada pelo benchmarking público e pelas restrições quanto ao número de unidades que podem transitar, entre estruturas organizacionais. Complementarmente, as atitudes dos utentes e médicos em relação aos padrões de prescrição podem não ser independentes em regiões de maior proximidade. Este estudo torna-se relevante ao introduzir a abordagem espacial nos CSP unindo variáveis de eficiência e custos e incorporando coordenadas das unidades. A distribuição geográfica das variáveis dependentes encontra-se refletida nos mapas abaixo. Os resultados obtidos relevam a presença de efeitos espaciais, consubstanciados por choques aleatórios, que explicam a influência mútua entre unidades vizinhas. Assim, os efeitos espaciais, que se amplificam entre unidades próximas, devem ser considerados no desenho das políticas de CSP de forma a atingir eficazmente os objetivos delineados.
Para concluir, é incontornável a incoerência que se assiste entre a perceção internacional e a evidência empírica alcançada, comparativamente com a inércia política nacional de se anuir à gestão da conjuntura e tibieza num posicionamento assertivo. A reflexão que importa reter é a de (re)avaliar e (re)começar a definição de uma estratégia integrada, transparente e economicamente sustentável.
Rita Bastião
Faculdade de Economia da Universidade do Porto
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