O COVID-19 induziu um choque de alta tensão no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Mesmo que se veja como positiva a resposta dada até ao momento pelo SNS, foram várias as necessidades de mudança apresentadas neste último mês. No entanto deverá ser o próprio sistema a perceber se a sua forma de atuação antes e durante este período crítico se deverá manter ou se deverá estar sujeita a alterações e/ou melhoramentos.
Esta é uma oportunidade para melhorar o SNS. Desde os espaços físicos de hospitais e centros de saúde até aos cuidados de saúde prestados num contexto de melhor servir os cidadãos. Deverá ainda passar pelos recursos humanos, em todas as áreas envolvidas, e chegar aos recursos materiais e aprovisionamento.
Pensando no futuro do SNS comecemos por capitalizar o que de bom se constatou nesta crise e enaltecer dois aspetos que se destacam: o esforço dos recursos humanos e a adaptabilidade demonstrada em curtos espaços de tempo pela maioria das unidades de saúde. No que respeita a recursos humanos, notamos que o número de profissionais de saúde cresceu de forma constante desde os anos 2000, chegando a 5 médicos por 1000 habitantes e 6.7 enfermeiros por 1000 habitantes em 2017. Este último número encontra-se abaixo da média da EU (8.4), não pelo número de indivíduos formados, mas sim pelo número de não contratações e devidas “exportações” destes profissionais. Manter os profissionais, equilibrar o rácio médico-enfermeiro, e torná-los mais-valias será um processo indispensável ao nosso serviço de saúde.
Na adaptabilidade das unidades de saúde verificou-se um aumento rápido do número de camas adaptadas a tratamentos de cuidados intensivos de forma a fazer face à certeza do aumento das necessidades assim como o aumento da eficiência dos processos de forma a reduzir possíveis focos de contágio[1].
Mas a readaptação e relocalização dos edifícios são essenciais, em conjunto com a melhoria de equipamentos para diagnóstico, tratamento ou suporte de vida. A médio e longo-prazo o empoderamento dos cuidados de saúde primários, com a possibilidade de inclusão de médicos especialistas, diminuiria o afluxo de utentes aos hospitais, a sobrelotação e até mesmo a incidência de infeções adquiridas em contexto hospitalar.
O modelo de gestão das unidades de saúde e o enquadramento legal dos contratos de trabalho de quem presta serviço no SNS deverão ser objeto de análise cuidada. Pessoal médico e de enfermagem deve ser enquadrado no funcionalismo público num contexto de exclusividade, criando condições que impeçam “entraves” ao funcionamento do SNS. Também as farmácias hospitalares deverão ser objeto de atenção já que são essenciais para o funcionamento das unidades de saúde, o mesmo se passando com o aprovisionamento, incluindo equipamentos de proteção individual.
Considerando situações de crise, serão os 1.8% (vs. 3.2% na UE) dos gastos em saúde em prevenção suficientes para colmatar falhas numa fase inicial de uma nova crise[2]? Neste pormenor a criação de “Kits de Crise” e respetivas opções de rotatividade deverão ser estudadas de forma a poderem fazer parte do stock de qualquer instalação de saúde e tornar Portugal mais autónomo e independente em situações de risco.
De qualquer forma será fundamental que não se ceda a interesses particulares com decisões que prejudicam os cidadãos, evitando soluções que surgindo como “inovadoras e reformistas” serão apenas as mesmas de sempre. É tempo de todos exigirmos uma prestação de cuidados de saúde que responda a todas as situações, sem exceções e que separe de forma clara e inequívoca os interesses dos utentes dos interesses económicos.
Joana Gomes da Costa
Centro de Economia e Finanças da Universidade do Porto – Faculdade de Economia da Universidade do Porto
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[1] https://sicnoticias.pt/especiais/coronavirus/2020-04-03-O-cenario-da-luta-contra-o-coronavirus-no-hospital-de-Sao-Joao
[2] https://ec.europa.eu/health/sites/health/files/state/docs/2019_chp_pt_portuguese.pdf