A pandemia da COVID-19 não teve origem nos hospitais, mas os hospitais, bem como os lares, tornaram-se locais centrais desta pandemia. Estes não são apenas locais onde os doentes morrem, são também locais onde o novo coronavírus, responsável pela doença COVID-19, se propaga. Sujeitos ao contágio não estão somente os utentes, mas também os profissionais que lá trabalham. Onde isto nos pode levar é visível em Portugal. Na semana passada (20/05/2020) nove profissionais do Hospital Santa Maria em Lisboa testaram positivo à COVID-19. A contabilização nacional é de 3.317 profissionais de saúde infetados (1.071 já recuperados), entre os quais 480 médicos e 1.088 enfermeiros, segundo o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, na conferência de imprensa diária. Os resultados recentes dos testes serológicos realizados pela Fundação Champalimaud em colaboração com a Ordem dos Enfermeiros apontam para níveis mais graves de exposição ao vírus.
Nesta fase da pandemia, os métodos para mitigar os riscos de infeção nos hospitais e outras unidades de saúde são diversos. Estes passam por testes sistemáticos aos utentes e pelo menos testes aleatórios de rastreio às equipas que asseguram cuidados de saúde, bem como a adoção de novas guidelines para a utilização do equipamento de proteção pessoal e de cuidados de higiene dos equipamentos técnicos potencialmente problemáticos (ar condicionado, ventilação, etc.).
Além destas medidas, os hospitais dispõem também da telemedicina como meio de mitigar o risco de infeção, através da redução do contato direto com/entre os utentes, ou de triagem daqueles que realmente precisam de ser vistos no local. Se para muitos de nós o teletrabalho, “teleconvívio”, “teledesporto”, etc. são inovações que passaram a hábitos em semanas, entre meados de março e início de abril de 2020, as teleconsultas não são propriamente uma novidade.
Graf. da evolução mensal do número de consultas em telemedicina. Segundo dados do SNS, verificou-se em março 2020 um aumento de 45% no número total de teleconsultas (var. homologa) que se deveu sobretudo ao aumento de consultas subsequentes na região de Lisboa e Vale do Tejo.
A aceitação rápida e relativamente simples das consultas remotas, com recurso a telefone, e-mails, videochamada ou apps, foi possível devido à abordagem pragmática de resposta a esta crise de saúde pública e ao investimento em tecnologia que tem vindo a ser feito para dar resposta aos desafios reginais relacionados com a falta de oferta de cuidados e/ou a dificuldade de deslocação das populações. Se por um lado a evidência sobre a efetividade e benefícios para o utente da medicina à distancia é ainda limitada e complexa (ver por ex. revisão), a telemedicina parece estar a estabelecer-se como um recurso valioso nesta pandemia, com diferentes estruturas de coordenação e barreiras à adoção em diferentes países. Neste campo, Portugal encontra-se bem equipado como demonstra a 8ª posição entre os 17 países examinados no Digital Health Index da Bertelsmann Stiftung.
Mas fará a telemedicina parte do #novonormal?
Podemos pensar em duas fases. No curto prazo, este pode ser um veículo chave para a recuperação das consultas que foram adiadas aquando da declaração da pandemia. No longo prazo, a experiência destas semanas de como a medicina à distância pode funcionar nas práticas de diferentes especialidades médicas pode ser usada para promover a adoção e adaptação segura e baseada na evidência da telemedicina para enfrentar os desafios que novos surtos apresentem.
Joana Pestana
Nova School of Business and Economics
(e utente grata pela teleconsulta de urgência na semana passada)