2025 traz mais rastreios. E depois?
A jornada das mulheres do rastreio ao tratamento do cancro da mama
O cancro da mama é o tipo de cancro com maior incidência entre as mulheres na União Europeia e a segunda causa mais comum de morte por cancro no sexo feminino. Na UE, uma em cada 11 mulheres está em risco de desenvolver cancro da mama ao longo da vida. Em Portugal, surgem mais de 8.000 novos casos anualmente, e, embora a incidência esteja a aumentar, a taxa de mortalidade tem diminuído graças a três fatores principais: avanços no diagnóstico, no acesso aos cuidados de saúde e em tratamentos menos invasivos.
Com a expansão do programa nacional de rastreio prevista para 2025, é esperado um aumento nos diagnósticos. No entanto, a verdadeira questão reside não apenas em identificar mais casos, mas em como lhes vamos garantir um tratamento eficaz e humanizado?
O alargamento do rastreio
Em 2025, o rastreio do cancro da mama em Portugal será alargado para mulheres entre os 45 e os 74 anos, ampliando significativamente o número de mulheres elegíveis para mamografias bianuais (a recomendação da Direção-Geral da Saúde era de rastreio dos 50 aos 69 anos). Portugal tem se destacado, com uma taxa de participação superior a 80% nestes rastreios, valor acima da média da OCDE.
Esta medida justifica-se pela elevada incidência da doença entre mulheres mais jovens (<49 anos) e pela evidência de que o diagnóstico precoce melhora os resultados clínicos. No entanto, a expansão do rastreio levanta questões importantes relacionadas com a capacidade de enfrentar os desafios que se seguem ao diagnostico.
Por ser um rastreio secundário, que deteta a doença, mas não a previne, é crucial que as mulheres sejam informadas sobre os benefícios e os riscos envolvidos. Entre os riscos documentados estão o desconforto e dor durante o exame, que pode levar à recusa de exames futuros, falsos positivos que geram angústia e procedimentos desnecessários, o risco (baixo) de cancro induzido por radiação e o sobre diagnóstico, que pode identificar cancros que nunca se manifestariam durante a vida da utente.
Existe também uma forte capacidade de inovação nesta área em Portugal. Exemplo disso é o dispositivo SenseGlove, criado pela startup Glooma, uma luva sensorial que está a ser desenvolvida e promete revolucionar a deteção do cancro da mama.
Após o diagnóstico
Os avanços terapêuticos têm promovido tratamentos mais personalizados e menos invasivos. A escolha do tratamento – incluindo mastectomia com ou sem reconstrução mamária, cirurgias conservadoras (como a quadrantectomia, e a mastectomia poupadora de pele ou do complexo aréolo-mamilar, ou NSM), quimioterapia, radioterapia, terapia hormonal ou terapias dirigidas – depende do estádio da doença, dos marcadores moleculares e genómicos, e das preferências da doente.
Atualmente, a cirurgia conservadora é preferida em 60-80% dos casos na Europa. Segundo um inquérito hospitalar em 2023 quase todos os hospitais portugueses que responderam (70% do total) possuíam uma “Unidade da Mama” organizada e realizavam cirurgia conservadora (do tipo NSM) habitualmente. Porém apenas 10% relataram um volume superior a 50 procedimentos por ano, abaixo do recomendado pelos especialistas, que defendem que este tipo de cirurgia seja conduzido por cirurgiões com elevado volume de casos.
Alguns estudos individuais confirmam esta tendência. Na ULS da Lezíria 60% das intervenções realizadas em 2023 foram conservadoras, com uma meta de atingir 70% até 2024. No Centro Hospitalar Tâmega e Sousa em 2022 cirurgia conservadora foi realizada em 69% dos casos, e 79% das mulheres realizou uma reconstrução. A maioria das doentes foi proposta para tratamento adjuvante, como terapia hormonal (69%) e radioterapia adjuvante (67%). 10% realizaram quimioterapia adjuvante.
Embora exista evidencia de que as abordagens conservadoras têm vantagens estéticas e impactos positivos na qualidade de vida, persistem desigualdades no acesso aos cuidados e no sucesso dos tratamentos, influenciadas por fatores como obesidade, disparidades regionais, estilos de vida e condições ambientais.
Abordagens personalizadas
Um dos principais desafios no tratamento do cancro da mama é assegurar uma abordagem que atenda às necessidades individuais de cada mulher, enquanto gere o impacto crescente sobre o sistema de saúde.
Estas doentes apresentam um maior risco de desenvolver outros tipos de cancro, devido a predisposições genéticas, exposições ambientais e efeitos dos tratamentos. Protocolos de vigilância de longo prazo são necessários, especialmente nos dois primeiros meses após o diagnóstico, quando o risco de segundos cancros primários é 14 vezes maior.
Além disso, mulheres jovens enfrentam preocupações específicas, como a preservação da fertilidade, antecipação da menopausa e o impacto emocional da doença numa idade precoce.
Recursos e informação para acompanhar o rastreio
Em suma, o alargamento do rastreio do cancro da mama é, sem dúvida, uma medida positiva, oferecendo a oportunidade de diagnosticar a doença mais precocemente e salvar vidas. No entanto, esta expansão, exige um reforço de recursos humanos e materiais para evitar aumentos indesejáveis dos tempos de espera para consultas de patologia mamária, cirurgias e tratamentos. Adicionalmente, será importante um investimento contínuo em tecnologias de diagnóstico e tratamento, especialmente para gerir casos mais complexos, como tumores não palpáveis e alterações genéticas. É igualmente necessário assegurar que os profissionais de saúde estejam capacitados para adotar abordagens centradas na doente, respeitando a sua autonomia e considerando o seu contexto biopsicossocial, e o que os doentes e familiares estão informados sobre os tratamentos disponíveis. A Liga Portuguesa Contra o Cancro tem feito um trabalho meritório neste campo, faltando informação atualizada sobre a oferta local e uma atualização regular da evidencia médica.
Entretanto, episódios como o encerramento da unidade de cirurgia do cancro da mama no Hospital das Caldas da Rainha este ano são alarmantes e evidenciam a necessidade de uma estratégia integrada e sustentável.
Assim, penso que é importante manter uma vigilância crítica sobre a execução desta medida para garantir que os avanços alcançados não são comprometidos.
Joana Pestana
Membro do Comité para investigadores em início de carreira da APES e HEOR Research Scientist na Intuitive. Teaching Assistant na Nova School of Business and Economics
Fontes:
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Jornal Publico (2024) (https://www.publico.pt/2024/04/10/sociedade/noticia/uls-leziria-regista-aumento-significativo-cancro-mama-mulheres-menos-40-anos-2086504)
Jornal Publico (2024) (https://www.publico.pt/2024/03/13/local/noticia/encerramento-unidade-cirurgia-cancro-mama-caldas-rainha-contestado-2083405)
OECD, Health at a Glance 2023: OECD Indicators, (2023) OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/7a7afb35-en.
World Health Organization. WHO position paper on mammography screening. World Health Organization, 2014.