A análise dos programas eleitorais dos partidos com assento parlamentar, apresentada durante o evento “Politicas de Saúde nas Legislativas 2024” no dia 23 de fevereiro, está agora disponível.
Este recurso foi desenvolvido com a coordenação de Sara Machado, em conjunto com Francisca Vargas Lopes, Luís Sá e a Ana Moura e ainda com o apoio na revisão de programas de Judite Gonçalves e Eduardo Costa e pode ser lida integralmente abaixo.
A análise serviu de base ao debate entre representantes dos partidos políticos com assento parlamentar e inspirou o comentário dos Economistas de Saúde Céu Mateus, Julian Perelman e Pedro Pita Barros da APES. Com esta análise e evento a APES continua a a trabalhar para contribuir para escolhas informadas dos seus associados, e dos Portugueses no geral.
Reveja o evento “Politicas de Saúde nas Legislativas 2024” completo aqui
Notas sobre a análise efetuada pela APES às políticas de saúde dos programas eleitorais
23 de Fevereiro de 2024
A Associação Portuguesa de Economia da Saúde (APES) analisou as medidas propostas nos capítulos dedicados à saúde dos programas eleitorais dos partidos com assento parlamentar. As medidas foram classificadas num de quatro domínios dos sistemas de saúde: Governação (por exemplo, a definição da articulação entre unidades públicas e privadas), Financiamento (por exemplo, a definição de comparticipações), Geração de Recursos (por exemplo, contratação de profissionais) e Prestação de Cuidados (por exemplo, que consultas estão disponíveis nos cuidados de saúde primários (CSP)). Os resultados foram apresentados publicamente no passado dia 23 de fevereiro, na Escola Nacional de Saúde Pública, durante o evento As Políticas de Saúde nas Eleições Legislativas de 2024, organizado pela APES, que incluiu também um debate com representantes de todos os partidos cujos programas foram analisados.
Da análise da APES destaca-se a convergência de temas abordados no domínio da Governação (painel superior esquerdo da Figura 1): o registo único eletrônico de saúde, a autonomia de gestão das unidades de saúde, as Unidades Locais de Saúde (ULS) e a prestação de cuidados por unidades privadas. Enquanto os dois primeiros são transversalmente referidos e reúnem consenso também relativamente à sua necessidade e benefícios, a continuidade do modelo generalizado de ULS (em vigor desde 1 de janeiro), a existência de Parcerias Público-Privadas (PPP) na gestão clínica de hospitais e o recurso às Unidades de Saúde Familiar do Modelo C (previstas desde o decreto-lei n.º 298/2007 mas por implementar) nos CSP são pontos de discórdia. Há também divergências sobre a saliência da Direção Executiva do SNS. Independentemente da centralidade proposta para o SNS no sistema de saúde, as medidas têm-no sempre como referencial. Ainda no domínio da Governação, os programas são omissos relativamente à integração intersetorial e interministerial (por exemplo, grupos de trabalho ou orçamentos partilhados entre ministérios para promover a integração de políticas de saúde, trabalho e educação), assim como à resiliência e à sustentabilidade do sistema de saúde (por exemplo,
estruturas de governação que permitam dar resposta a situações de pico de procura nos serviços de saúde devido a crises como epidemias ou desastres naturais)
No domínio do Financiamento, referências à comparticipação de bens e serviços são maioritárias (painel inferior esquerdo da Figura 1); nomeadamente, a proteção financeira e a cobertura de cuidados para condições ou populações específicas. A maioria dos programas também refere a aquisição de cuidados de saúde a entidades privadas enquanto meio para colmatar as falhas do SNS. Há, porém, divergências precisamente sobre se isso deve ser feito e, se sim, que cuidados
adquirir e em que condições contratuais o fazer. Por outro lado, são quase inexistentes propostas sobre fontes de receita para financiar o sistema de saúde. Conquanto não se exclua a possibilidade de estas propostas serem apresentadas noutros capítulos dos programas eleitorais, que não foram alvo da análise, é de notar—tal como no caso da integração intersetorial e interministerial acima referidos—a ausência de referências explícitas nos capítulos sobre a saúde.
A Geração de Recursos é dominada por propostas dirigidas aos profissionais de saúde (painel superior direito da Figura 1). Trata-se de propostas para atrair e reter, predominante mas não exclusivamente, médicos e enfermeiros no sistema de saúde como um todo e no SNS em especial. Estas propostas versam sobre formas de aumentar a remuneração dos profissionais, com partidos diferentes a atribuir importâncias variáveis a aumentos diretos dos vencimentos base, a
ajudas de custo, a redução de horas de trabalho, à atribuição da classificação de profissão de desgaste rápido e a reformas antecipadas, entre outros. Apesar da relação de complementaridade produtiva entre profissionais de saúde (capital humano) e equipamento (capital físico), referências ao segundo são menos frequentes, mesmo tendo em consideração que melhor equipamento e acesso a tecnologia contribuem para o exercício da prática médica e, por isso, para a retenção
de profissionais. Em menor escala, o mesmo se passa com o acesso a medicamentos e terapias inovadoras. A exceção são propostas sobre a dotação das unidades de CSP com equipamento que lhe permita prestar autonomamente Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT).
O domínio da Prestação de Cuidados caracteriza-se pela dispersão dos temas propostos, sendo os mais frequentes os seguintes: expansão da Saúde Pública e reforço dos CSP; cuidados para condições específicas no âmbito da saúde mental e da obstetrícia; reforço dos cuidados para situações urgentes; integração do sistema de saúde com o setor social, escolas, locais de trabalho e autarquias; fortalecimento dos cuidados continuados e paliativos (painel inferior direito da Figura 1). É na determinação de quais destes priorizar e como o fazer que reside a discórdia. Em contraste com esta dispersão de temas—e tendo em conta o papel proposto dos CSP em muitos destes—é de notar a quase ausência de referências explícitas a doenças com grande carga, como a doença cardiovascular, a diabetes, o cancro e a demência
Finalmente, a APES analisou a importância que cada partido atribui a cada um dos quatro domínios (Figura 2). Note-se que não se fala aqui de convergência de opinião; antes, da proporção de medidas, dentro de cada programa, dedicada a cada domínio. Identificam-se três grupos. O primeiro—composto pelo PCP, o BE e o Livre—apresenta maioritariamente propostas sobre a Governação e a Geração de Recursos do sistema de saúde. O segundo—composto pelo PAN e a IL—apresenta maioritariamente propostas sobre a Geração de Recursos, dedicando depois atenção semelhante aos demais domínios. O terceiro—composto pelo PS, a AD e o Chega—apresenta maioritariamente propostas sobre o domínio mais granular do sistema de saúde: a Prestação de Cuidados. Enquanto a AD e o Chega dedicam atenção semelhante aos restantes três domínios, o PS distingue-se por se aproximar do primeiro grupo ao dedicar mais propostas à Governação. Noutras palavras, o PS dedica a maioria das suas propostas aos níveis mais macro e micro do sistema de saúde. É, ainda, de notar que o financiamento é onde há mais dispersão, com muito pouca importância relativa atribuída por alguns partidos.
Figura 1. Nuvens de palavras por domínio
Figura 2. Visualização do posicionamento dos partidos face à importância relativa dos domínios:
Nota Metodológica
• Os quatro domínios adotados na análise correspondem às quatro funções de um sistema de saúde no Health System Performance Assessment: A Framework for Policy Analysis da Organização Mundial da Saúde e do Observatório Europeu de Sistemas e Políticas de Saúde.
• Governação: Quadros conceptuais estratégicos que enformam o sistema de saúde e garantem a sua supervisão, a regulação e a responsabilização dos agentes que nele operam.
• Financiamento: Arrecadação de receita e como a gastar em cuidados de saúde; determinação dos fluxos de financiamento no sistema de saúde
• Geração de recursos: Garantia da disponibilidade dos fatores produtivos necessários ao funcionamento do sistema de saúde, através da geração de novos recursos dentro do sistema ou da manutenção dos recursos existentes
• Prestação de cuidados de saúde: A combinação de fatores produtivos num processo que resulta na produção de intervenções (i.e., na prestação dos vários tipos de cuidados de saúde)
• Foram excluídas da análise metas e objetivos; por “medidas propostas” consideram-se aquelas que apresentam alguma informação sobre a sua operacionalização.
• A informação contida na análise de frequência de vocábulos, ilustrada pelas nuvens de palavras, foi utilizada para complementar a análise narrativa efetuada a todas as medidas. Na construção das nuvens de palavras, foram excluídas “saúde” e “cuidados”.
• Na análise da importância atribuída por cada partido a cada domínio, é possível que aquela atribuída pela IL e pelo Chega à Governação esteja subestimada. Estes partidos incluem nos programas eleitorais uma proposta que consiste na restruturação quase total do sistema de saúde. Apesar do seu escopo alargado, estas medidas são apresentadas ao mesmo nível de outras significativamente mais específicas. Neste sentido, ao atribuir o mesmo peso a todas as medidas, independentemente do que a medida propõe, a análise efetuada dá primazia a medidas de âmbito mais restrito, operacionalizáveis.