Já não é fácil contar o número de vezes que ouvimos dizer que uma determinada tecnologia é revolucionária e vai mudar radicalmente a nossa vida. Algumas seguramente foram; muitas outras ficaram bem longe do prometido. Inevitavelmente, isso também é verdade na Saúde.
Aproveito estas linhas para falar sobre a ‘nova moda’ da tecnologia na área da Saúde: o smartwatch. E espero que não levem a mal a publicidade deste artigo – não é propositada, mas sim baseada no facto de ter um de uma determinada marca (e de o conhecer melhor, portanto). Mas o que escrevo pode ser extrapolado para outros smartwatches de outras marcas.
Primeiro, o que é um smartwatch? É um relógio? Sim. É um relógio inteligente? Sim. Podemos pensar num smartwatch como uma extensão mais pequena do nosso smartphone, que podemos usar no pulso para (para além de outras coisas) ver as horas. Podemos ver e responder ao e-mail (apesar de não ser muito cómodo); podemos ver e mandar mensagens de texto; aceder à nossa agenda; ver o mapa ou pelo menos ver onde está o Norte. Mas o que verdadeiramente diferencia o smartwatch de tantos outros gadgets que usamos são os sensores de que dispõe, em particular os sensores que conseguem detectar e medir o nosso batimento cardíaco. Segundo, sejamos mais precisos. Em rigor, o smartwatch não é (ainda) uma verdadeira ‘tecnologia de Saúde’. Nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA) classificou o smartwatch da Apple como dispositivo médico capaz de alertar para batimentos cardíacos irregulares. Mas não me parece que este facto tenha já sido apreendido pela generalidade dos profissionais de Saúde…
Mas onde é que está a prometida ‘revolução’? Olhemos primeiro apenas para o que existe: o smartwatch da Apple, com os seus sensores, permite-nos monitorizar em contínuo o batimento cardíaco; permite-nos ao toque de um botão fazer um electrocardiograma; e avisa-nos se exibirmos sinais de fibrilhação auricular, uma das arritmias mais frequentes, que pode causar um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Esse ‘aviso’ baseia-se num estudo científico com mais de 400 mil participantes financiado pela Apple, ou seja, baseia-se em dados sobre o batimento cardíaco de cada um dos participantes recolhidos a partir do smartwatch. Existindo a ‘infra-estrutura’, era uma questão de tempo até surgirem novas possibilidades. No mês passado, a Clínica Mayo anunciou ter desenvolvido, por inteligência artificial, um algoritmo capaz de detectar uma disfunção ventricular esquerda, uma importante alteração cardíaca. Este algoritmo será testado e seguramente muitos outros surgirão.
Juntemos a estas ‘capacidades avançadas’ do smartwatch outras que são, talvez, mais simples, mas não menos eficazes. A adesão ao tratamento é um problema típico: ao fim de uns dias, começamos a ‘esquecer-nos’ do que temos que tomar e quando. É humano: como se costuma dizer, ‘longe da vista, longe do coração’. Quanto mais distante no tempo está o problema de saúde que nos levou ao médico (e quanto melhor nos sentimos), menos necessidade vemos em continuar o tratamento. Termos um smartwatch a ‘buzinar’ sempre que temos que tomar a medicação pode ser uma forma simples de melhorar a adesão ao tratamento. O smartwatch pode ser, na verdade, um dos mecanismos que nos permitem assumir uma maior responsabilidade na monitorização do nosso estado de saúde.
Mas olhemos agora para o futuro. A Apple pretende acrescentar mais sensores ao seu smartwatch. Existem rumores no sentido de acrescentar sensores para os níveis de açúcar no sangue, para a pressão arterial e para a temperatura corporal. Ninguém sabe ainda se ou quando surgirão. Imagine-se, no entanto, dispor de um indicador fidedigno e contínuo de uma possível infecção – teria sido seguramente muito útil quando olhamos para os últimos dois anos, por exemplo!
Com os ganhos claros para a Saúde que advêm da utilização destes smartwatches, não se surpreenda se um dia vir um anúncio a dizer ‘venha a uma consulta e ganhe um smartwatch’!
Ricardo Gonçalves
Católica Porto Business School, Universidade Católica Portuguesa