O interesse em usar dados eletrónicos dos serviços de saúde, compilados rotineiramente, para informar avaliações económicas, tem aumentado ao longo dos anos. Por exemplo, o Manuel Gomes escreveu em março sobre o uso de dados eletrónicos para estimar o efeito causal de uma tecnologia de saúde. Neste artigo, partilho a minha experiência e o que aprendi, focando-me nos aspetos práticos de usar dados eletrónicos. Apesar de ser no contexto do Reino Unido, que é o país onde sempre trabalhei como economista da saúde, espero que as aprendizagens que tirei se generalizem para a situação portuguesa.
A primeira vez que utilizei dados eletrónicos foi para realizar uma avaliação económica associada a um ensaio clínico sobre dois tipos de cateteres para bebés prematuros. Como o ensaio era em bebés seriamente doentes, nós entendemos que não era apropriado pedir aos pais para preencherem questionários sobre cuidados de saúde, pelo que estes dados foram recolhidos a partir dos dados eletrónicos do Serviço Nacional de Saúde Britânico (NHS).
Nesta primeira experiência, o grande desafio foi obter os dados. No Reino Unido, a maioria dos dados eletrónicos hospitalares são compilados por uma instituição chamada NHS Digital, que felizmente tem um processo para a partilha de dados. No entanto, o processo é complexo. Todas as instituições que recebem os dados têm de ter procedimentos para a gestão de dados sensíveis que seguem os padrões definidos pelo NHS Digital. Dada a complexidade e as várias instituições envolvidas, recebemos os dados para análise cerca de um ano e meio depois de termos concorrido para os obter.
O que aprendi para projetos futuros foi o seguinte: planear o projeto com antecedência suficiente de modo a obter os dados a tempo, conhecer o processo e os requisitos das instituições que detêm os dados, saber quem contactar em cada instituição, ter uma pessoa dedicada a assegurar que o processo avança e manter toda a equipa informada.
A segunda experiência foi no contexto de uma avaliação económica sobre protocolos para o rastreio da hipercolesterolemia familiar, em que usámos dados eletrónicos dos serviços de saúde que fazem este rastreio. Um grande desafio foi a limpeza dos dados. Com o termo “limpeza“, refiro-me ao processamento dos dados de modo a estarem prontos para a análise estatística.
A limpeza foi um processo complexo e demorado principalmente pela inserção de dados variar, não só porque os serviços evoluíram ao longo do tempo, mas também porque alguns profissionais de saúde introduziram os dados de forma diferente entre si. Adicionalmente, a existência de campos de texto livre e a sua inerente variação tornam os dados difíceis de estandardizar e codificar. Esta complexidade é inerente aos dados eletrónicos, porque são gerados para auxiliar os serviços na gestão dos doentes e não são pré-definidos num protocolo para informar um projeto de investigação como acontece num ensaio clínico.
Como lidar, então, com este desafio? Não posso dizer que tenha descoberto a solução perfeita, mas sei o que é definitivamente essencial: ter a colaboração dos profissionais de saúde que inserem e usam os dados nos serviços de saúde de modo a saber como os interpretar.
Concluindo, os dados eletrónicos têm imenso potencial para servir de base a avaliações económicas, mas há questões práticas que levam a que o seu uso seja mais complexo do que a utilização de dados de ensaios clínicos.
Rita Faria
Senior Research Fellow – Centre for Health Economics – University of York