Desde o seu início em Dezembro de 2019, a COVID-19 propagou-se desde a província de Wuhan para todo o globo, impondo extrema pressão nos cidadãos, instituições, empresas, sistemas de saúde, com implicações em todos os aspectos da nossa vida social e económica. Devido à propagação rápida da COVID-19, os governantes de inúmeros países foram forçados a implementar medidas políticas drásticas de combate à pandemia, desde limitações ao contacto físico, uso obrigatório de máscaras, encerramento de escolas e de actividades económicas não essenciais, até ao fecho de fronteiras e confinamento total. Evitar o colapso dos sistemas de saúde e controlar a mortalidade estava na essência destas medidas de contenção da transmissão do vírus. Inúmeros países foram apanhados de surpresa, não só pela ausência de planos estratégicos nacionais de resposta a pandemias/epidemias, como pela rapidez na evolução da pandemia que agora surgia, mas também pela evidência limitada no que toca à efectividade e custo-efectividade de diferentes medidas restritivas que poderiam tomar. Apenas com evidência actualizada e de qualidade seria possível correctamente informar os actores políticos no seu processo de decisão. Evidência esta que era praticamente inexistente no início de 2020. Nos últimos 2 anos temos assistido a uma avalanche de publicações relacionadas com a COVID-19, traduzindo-se, no entanto, num número limitado de estudos que avaliaram o custo-efectividade das medidas políticas para a detecção, protecção e prevenção/contenção da COVID-19. Trago aqui para partilha e discussão alguns artigos que me chamaram a atenção.
O estudo americano por Paltiel et al [1] avaliou o custo-efectividade de diferentes estratégias de detecção de COVID-19, comparando a não testagem com 4 frequências de auto-testagem semanal e 3 taxas de transmissibilidade, Rt, hipotéticas. Baseado no modelo epidemiológico compartimental, Paltiel e colegas adaptaram a abordagem clássica Susceptible-Exposed-Infectious-Recovered-Deceased para avaliar o custo-efectividade das diferentes estratégias em termos de custos por infecção e custos por morte evitadas. Adoptando a perspectiva da sociedade e de acordo com regras de decisão pré-definidas, os autores concluíram que a auto-testagem frequente era custo-efectiva para qualquer nível de transmissibilidade, podendo contribuir para o controlo da pandemia a custos reduzidos, devendo ser uma estratégia a considerar num plano de contenção pandémico nacional.
Outro estudo americano por Savitsky et al [2] comparou o uso de equipamento de protecção individual (PPE) com triagem de COVID-19, para a protecção de profissionais de saúde no setting hospitalar de maternidade/obstetrícia. Recorrendo a um modelo de decisão analítica simples, os autores avaliaram o custo por infecção de profissional de saúde evitada. Para uma prevalência baixa da doença, os resultados indicaram triagem como sendo a estratégia custo-efectiva para partos naturais e induzidos quando comparada com uso de PPE. No entanto, para cesarianas planeadas, o uso de PPE foi considerado custo-efectivo, assumindo um custo estável desse equipamento. Para prevalências altas da doença, PPE foi tida como custo-efectiva na protecção de profissionais de saúde por COVID-19.
No que toca a políticas de prevenção/contenção, gostaria de mencionar o estudo britânico por Zala et al [3]. Adaptando o famoso modelo (epidemiológico compartimental de simulação individual) de resposta à COVID-19 do Imperial College [4], os autores comparam 3 estratégias preventivas para além da estratégia de “nada fazer/não actuação”. As estratégias avaliadas foram: a) política de mitigação, que inclui isolamento de casos individuais, confinamento e distanciamento físico para maiores de 70; b) política de supressão 1, que à política de mitigação adiciona distanciamento físico geral e fecho de escolas e universidades quando o threshold de 100 pacientes numa semana em cuidados intensivos e ultrapassado; e c) política de supressão 2, que altera o threshold da política de supressão 1 para 400 casos em cuidados intensivos. Usando a perspectiva da sociedade e a métrica usual de custo por QALY adicional, os autores concluíram que, embora incertos, os resultados apontaram para as estratégias de supressão serem custo-efectivas quando comparadas com a política de mitigação e a de não actuação.
Esta curta revisão da literatura aponta para o custo-efectividade de estratégias de testagem, sendo que quanto mais alto o Rt, maior a probabilidade de estratégias de auto-testagem frequente serem custo-efectivas. O mesmo se identifica com o uso de PPE, maior Rt implica maior probabilidade de PPE ser custo-efectivo. A evidência indica também que medidas que combinam testagem, confinamento e distanciamento físico são eficazes e value for money no combate à pandemia. Pontos a serem considerados pelos decisores políticos no avançar da pandemia de COVID-19. No entanto, estes estudos são heterogéneos na sua metodologia, na sua qualidade, na perspectiva e tipo de custos incluídos, mas também nos resultados em saúde considerados. De facto, todos apontam para resultados envoltos em incerteza devido à escassez de evidência robusta relativa à COVID-19 e suas variantes para informar os parâmetros dos diferentes modelos. A falta de evidência relativa aos efeitos de COVID-19 a longo termo, incluindo: a) custos adicionais e perdas em saúde de doenças crónicas não tratadas devido às restrições de capacidade do sistema; b) sequelas da infecção e long-COVID; c) impacto na saúde mental; e d) regressão na aprendizagem das camadas mais jovens da população; fez com que tais consequências não fossem consideradas. Os resultados de custo-efectividade reportados dependem grandemente de quão correctos são os pressupostos e as projecções efectuadas, pecando muito na sua transferibilidade para outros contextos. Fica por se saber se o alto custo sócio-economico de medidas de confinamento total foram contrabalançados pelos benefícios em saúde. Embora nenhum dos estudos acima tenha tido em consideração as potenciais consequências em saúde (e noutros sectores da sociedade) de um possível colapso do sistema de saúde, parece agora existir uma maior consciência das possíveis consequências deste tipo de intervenções sociais, principalmente das mais restritivas. A história irá trazer mais clareza sobre o custo-efectividade das medidas políticas de combate à pandemia e se outras opções políticas alternativas poderiam ter sido tomadas.
Pedro Saramago
Centre for Health Economics, University of York
Nota: O autor não segue o Novo Acordo Ortográfico.
[1] Paltiel AD, Zheng A, Walensky RP. Assessment of SARS-CoV-2 Screening Strategies to Permit the Safe Reopening of College Campuses in the United States. JAMA Netw Open. 2020 Jul 1;3(7):e2016818. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2020.16818. PMID: 32735339; PMCID: PMC7395236;
[2] Savitsky LM, Albright CM. Preventing COVID-19 Transmission on Labor and Delivery: A Decision Analysis. Am J Perinatol. 2020 Aug;37(10):1031-1037. doi: 10.1055/s-0040-1713647. Epub 2020 Jun 16. PMID: 32544961; PMCID: PMC7416191;
[3] Zala D, Mosweu I, Critchlow S, Romeo R, McCrone P. Costing the COVID-19 Pandemic: An Exploratory Economic Evaluation of Hypothetical Suppression Policy in the United Kingdom. Value Health. 2020 Nov;23(11):1432-1437. doi: 10.1016/j.jval.2020.07.001. Epub 2020 Aug 27. PMID: 33127013; PMCID: PMC7833705;
[4] Neil M Ferguson, Daniel Laydon, Gemma Nedjati-Gilani et al. Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand. Imperial College London (16-03-2020), doi: https://doi.org/10.25561/77482.