Aproximando-se as eleições legislativas (no final de Janeiro de 2022), é tempo de organizar ideias para se fazer uma apreciação dos programas eleitorais dos principais partidos políticos para a área da saúde. Dado que a generalidade dos partidos políticos tem defendido a centralidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no sistema de saúde português, vou focar-me em opções de políticas que se dirigem sobretudo ao SNS. Um problema em definir opções de políticas para o SNS está em que quando se começam a enunciar prioridades, quase tudo se torna prioritário. Assim, opto por focar-me em cinco aspetos. Existem outros aspetos importantes do sistema de saúde que também merecem atenção, mas não são parte do meu Top 5. Apresento este meu Top 5 por ordem inversa da respetiva prioridade que lhe atribuo.
5. Na parte macroeconómica de financiamento das despesas em cuidados de saúde, uma característica de longo prazo do sistema de saúde português tem sido o elevado valor (absoluto e relativo) dos denominados pagamentos diretos (o que as pessoas pagam quando utilizam algum tipo de cuidados de saúde). Para as famílias de menores rendimentos, uma parte importante do que gastam em saúde é a despesa com medicamentos. Por este motivo, deverá ser feita uma avaliação e eventual revisão, pelo SNS, das comparticipações na área do medicamento. Não tenho a resposta, neste momento e com a informação disponível, sobre qual o sistema de comparticipações a usar. Tal deverá resultar da análise que seja feita.
4. Criação de uma entidade específica, dentro do SNS, dedicada à promoção da saúde e prevenção da doença. É frequente, senão mesmo unânime, a posição de que se “investe pouco em prevenção” em Portugal. Esta afirmação tem alguma componente de injustiça pois várias atividades e intervenções que correspondem a promoção da saúde ou prevenção não são identificadas desse modo. E quanto se olha para despesa em prevenção, normalmente contabiliza-se apenas elementos explicitamente classificados desse modo. A promoção da saúde e a prevenção da doença têm um problema base de não haver quem tenha a responsabilidade executiva clara e exclusiva (sobre o que fazer, como fazer, e como avaliar o que é feito). Daí que a criação, ou designação, de uma entidade responsável unicamente por este elemento contribuirá para que ganhe visibilidade e presença nos processos de decisão. Esta entidade deve ter como única atribuição a promoção da saúde e a prevenção da doença na população. Se assim não for, se houver acumulação com outras funções, não será diferente do que tem sucedido. Uma das primeiras decisões, talvez mesmo a primeira, desta entidade deverá ser garantir que cada residente em Portugal tem direito a uma consulta por ano dedicada totalmente à promoção da sua saúde. É um direito cuja garantia será organizada e verificada por esta entidade, e que fará parte da respetiva avaliação de desempenho. A informação sobre o acesso a este direito a uma consulta de promoção da saúde deverá integrar o relatório anual de acesso a cuidados de saúde no âmbito do SNS.
3. Reformulação (criação?) de uma política moderna de recursos humanos no SNS. A concorrência pelos melhores profissionais faz-se entre o SNS e o sector privado, mas também, e cada vez mais nas gerações mais recentes, com oportunidades vindas do exterior. O monolitismo e anacronismo da gestão pública neste campo impede que se encontrem soluções adequadas e, sobretudo, ajustadas a profissões de saúde que evoluem nas competências e aspirações, profissionais e pessoais, de quem as desempenha. Alguns aspetos nem passam pela (sempre difícil) componente da remuneração – oportunidades de desenvolvimento profissional, equilíbrio entre vida familiar e trabalho, diversidade de experiências, etc. Ter opções de trajetória profissional, escolhidas consoante as preferências de cada profissional será algo a fomentar no SNS. Como primeiro passo, e dada a centralidade dos médicos e a discussão iniciada no campo político sobre exclusividade no SNS, será necessário realizar um recenseamento geral dos médicos no SNS quanto às suas condições de trabalho, às suas aspirações profissionais e às suas condições remuneratórias (com base no que efetivamente recebem em média mensal; confesso alguma curiosidade em saber se as assimetrias na remuneração líquida mensal entre diferentes grupos de médicos – segundo idade e especialidade – mudou significativamente na última década). Como segundo passo, deve-se ouvir, para conhecer, as ideias e anseios dos vários grupos profissionais no sistema de saúde (e não apenas dos profissionais de saúde que trabalham diretamente para o SNS), para se conseguir definir melhor o próprio quadro de funcionamento dentro do SNS.
2. Contas certas na despesa pública em saúde. Retomando o lema político dos últimos 6 anos e transportando-o para o campo da saúde e da despesa pública em cuidados de saúde, deverá resolver-se o problema de décadas dos pagamentos em atraso (sobretudo dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde) e da criação permanente de dívida que lhe está na origem. Resolver este problema requer três elementos. Primeiro, capacidade de definir orçamentos adequados, em condições de normal eficiência de funcionamento das unidades do SNS; segundo, capacidade de definir intervenções de gestão eficazes e atempadas para solucionar a incapacidade de funcionar eficientemente que unidades do SNS venham a demonstrar – pode significar alteração das equipas de gestão, pode significar alteração do que é a atividade da unidade. Estas intervenções podem ir desde auditorias de gestão, à substituição de equipas de gestão, à modificação das próprias atividades desenvolvidas na unidade (por exemplo, um hospital perder valências, passando essa atividade assistencial à população a ser realizada por outra unidade, quando tal for possível sem prejuízo da saúde da população abrangida).
1. Garantir o acompanhamento regular de cada residente em Portugal por um médico (ou equipa) de família. A atribuição de um médico de família a cada residente em Portugal é uma promessa regularmente feita pelo poder político, esteja no Governo ou fora dele. Contudo é um problema ainda por resolver e que nos últimos anos se agravou. Havendo um consenso generalizado de que os cuidados de saúde primários são essenciais para um bom sistema de saúde, há que dar atenção, política e técnica, permanente a este problema. Não basta reafirmar a sua centralidade e importância. É necessário ter uma estratégia bem definida de formação, atração, retenção e desenvolvimento profissional de especialistas de medicina geral e familiar. Essa estratégia deve ser seguida com persistência e com flexibilidade de ajustamento, bem como ousar alguma inovação organizacional, se necessário. Em particular, será interessante explorar ideias como “equipas de família”, com uma maior flexibilidade dos papéis dos profissionais de saúde. Médicos, enfermeiros e farmacêuticos, por exemplo, podem ter ideias de como em conjunto se poderá contribuir para que haja um acompanhamento regular de cada residente em Portugal. O desafio é não só criar mais unidades de saúde familiar, é também o de criar (ou pelo menos experimentar) outras formas de organização que resolvam o problema de população não acompanhada regularmente, numa perspetiva de continuidade temporal.
Pedro Pita Barros
Nova School of Business & Economics, Universidade Nova de Lisboa