Convidámos a Joana Cima que terminou recentemente o doutoramento na Faculdade de Economia da Universidade do Porto a partilhar os trabalhos da sua tese. Fique a conhecer os resultados da investigação da Joana.
Avaliação econométrica dos tempos de espera para cirurgia programada no SNS português
A minha tese de doutoramento contém três ensaios que abordam como tópico geral os tempos de espera para cirurgia programada no Serviço Nacional de Saúde (SNS) português, dada a problemática das listas de espera em Portugal. A tese pretende dar linhas de orientação para ajudar a controlar os tempos e melhorar a equidade no acesso à cirurgia, usando para tal diferentes metodologias econométricas.
Diferença entre géneros nos tempos de espera para cirurgia programada
No primeiro ensaio, analisa-se a diferença entre géneros (ou seja, diferença bruta e ajustada) nos tempos de espera para cirurgia programada, uma vez que a literatura sobre desigualdades nos tempos de espera tem estado mais focada no status socioeconómico do que em questões de género. Para tal, usa-se cerca de 2,6 milhões de observações sobre todos os episódios cirúrgicos que ocorreram nos hospitais do SNS português entre 2011 e 2015.
A Figura 1 mostra a evolução dos tempos de espera entre 2011 e 2015 e pode observar-se que os tempos de espera aumentaram e que são superiores para as mulheres.
Fig 1: Mediana dos tempos de espera para cirurgia dos pacientes operados
Para explicar este diferencial, partiu-se de um modelo econométrico base (sem nenhuma variável de controlo), onde se encontrou um diferencial bruto de 10% entre os tempos de espera de homens e mulheres, o que significa que os homens esperam em média 10% menos que as mulheres.
Em seguida, são adicionadas diferentes variáveis explicativas que podem justificar essa diferença. As variáveis são adicionadas de maneira a permitir uma especificação paramétrica mais flexível. No entanto, os resultados continuam a indicar um diferencial de tempo de espera de 3%, sendo este diferencial não explicado pelas covariáveis adicionadas.
Seguidamente, usa-se a decomposição de Gelbach para entender a contribuição de cada variável para a redução observada na diferença entre géneros e confirmar que a prioridade do paciente e os efeitos fixos hospitalares são as variáveis que mais contribuem para o componente explicada da diferença. A análise assim sugere que os homens tendem a ser classificados com prioridades mais severas e que existem especificidades hospitalares que fazem com que os homens tenham tempos de espera mais curtos.
No geral, os resultados exibem um padrão em que as mulheres têm maiores tempos de espera para cirurgia, mesmo quando todos os fatores óbvios, como caraterísticas individuais e hospitalares, são contabilizados.
Acesso à cirurgia, cancelamentos e priorização dos pacientes
No segundo ensaio, estuda-se a equidade e o impacto da priorização no acesso à cirurgia. Assim, como agora a preocupação é com o acesso à cirurgia, os episódios cirúrgicos são analisados juntamente com os episódios de cancelamento. A cobertura da base de dados é idêntica à do primeiro artigo, mas como inclui cancelamentos, o número total de observações é maior, em torno de três milhões.
O objetivo agora é o estudo do tempo de espera para cirurgia em uma estrutura que justifique os cancelamentos e, portanto, são estimados modelos de duração em que os cancelamentos são introduzidos como observações censuradas. Em linha com o primeiro ensaio, os resultados mostram que os homens têm tempos de espera mais curtos. Os pacientes reportados com cancro também apresentam tempos de espera mais curtos, assim como os pacientes com prioridades mais severas. Em relação à variável idade, constata-se que os pacientes entre 30 e 45 anos apresentam os menores tempos de espera, e que a partir desse grupo etário os tempos começam a aumentar gradualmente. Caso os cancelamentos fossem excluídos da análise, os resultados seriam enviesados. Isso sugere que os estudos de acesso a cirurgia em hospitais públicos, medidos pelo tempo de espera, devem levar em consideração os cancelamentos.
Finalmente, como há informação disponível sobre os diferentes motivos para cancelamento, tenta-se entender se existem fatores específicos que afetam os motivos do cancelamento. Assim, estima-se um modelo de logit multinomial usando todos os episódios de cancelamento. Como resultado, identificam-se os grupos de pacientes que foram mais expostos a cancelamentos específicos. Conclui-se ainda que o não cumprimento da prioridade é superior nos episódios de cancelamento, o que parece indicar que o tempo excessivo em espera pode ter originado o cancelamento, desempenhando também um papel relevante na explicação do tipo de cancelamento.
Tempos de espera para cirurgia programada: uma análise espacial
No último ensaio, o tópico de investigação foca-se no lado da oferta de cirurgia, onde se analisam as interações espaciais entre os hospitais do SNS português. Com base nos dados ao nível do paciente, são estimados dois índices específicos ao hospital para capturar os tempos de espera da cirurgia e a probabilidade de cancelamento de cada hospital.
Devido à forma como os índices são criados, eles estão expurgados das características do lado da procura e devem refletir apenas aspetos relacionados com a gestão e organização dos hospitais, bem como fatores originados no lado da oferta. Em seguida, são estimados modelos com dados em painel, usando os índices hospitalares como variáveis dependentes e levando em consideração variáveis relacionadas com a estrutura organizacional do hospital, tamanho e o facto de ser ou não um hospital universitário.
Os resultados são robustos, mostrando evidência de dependência espacial em ambos os índices. Assim, sugere-se existir efeitos de spillover nas listas de espera que podem ser usados para otimizar o acesso a cirurgia programada. Dada a boa performance do setor social (Misericórdias), sugere-se que sejam celebrados acordos de forma a aumentar a oferta de cirurgia e melhorar o cumprimento das prioridades dos pacientes.
Joana Cima
(FEP-UP, NIPE)
Email: joanacima.phd@fep.up.pt