Com mais de 770 mil mortes registadas, o surto de SARS-CoV-2 constitui um problema global sem precedentes para as economias e sociedades contemporâneas. Com o ressurgimento de uma segunda vaga, o Economic Outlook da OCDE prevê contrações no PIB apenas comparáveis ao pós-guerra: -11.5% na zona Euro, -8.5% nos Estados Unidos, e -7.3% no Japão.
Antevê-se como solução única de longo prazo, uma vacina segura e eficaz que permitirá às sociedades e economias retornar à vida normal sem perda inaceitável de vidas. Num esforço científico fenomenal, centenas de investigações científicas pré-clínicas e ensaios clínicos foram registados desde o início da pandemia. Grande parte dos candidatos em estudo são medicamentos para tratar o COVID-19 que apresentam resultados até então decepcionantes. A atenção está agora virada para a descoberta científica de vacinas. À data de 17 de agosto, segundo o LSHTM VaccineTracker, existiam 197 em investigação pré-clínica, 34 em ensaios clínicos, 6 das quais em fase final de grande escala. Esta tem sido uma corrida fulgurante protagonizada por cientistas, universidades, pequenas e grandes empresas, apoiadas por financiadores públicos e privados.
No entanto, é grande a incerteza na espera por evidência robusta. Cenários otimistas garantem que no final de 2021 teremos disponível uma vacina eficaz para o SARS-CoV-2. Tal otimismo deve ser ponderado com moderação: a evidência histórica sugere uma média de 7 a 9 anos para que uma vacina eficaz esteja disponível. Além disso, há várias questões científicas fundamentais por decifrar, no que diz respeito ao comportamento do vírus e no desenvolvimento das vacinas, como refere a revista Nature. Por exemplo, é inconclusivo o nível e duração de proteção imunológica em indivíduos expostos ao vírus e, portanto, o nível de eficácia de uma vacina.
Contudo, as descobertas científicas são insuficientes para acabar com esta pandemia. Os sistemas de saúde terão que vacinar 50% a 75% da população global. A OCDE alerta para a urgência da cooperação internacional na resolução desta pandemia evitando-se nacionalismos e guerras comerciais que poderão sabotar o fim desta crise. É fundamental que os países cooperem para:
- Acelerar o progresso científico na luta contra SARS-CoV-2, através da cooperação científica, multiplicando as oportunidades de experimentação coordenada e adesão a padrões internacionais gerando evidência quanto à efetividade e segurança das vacinas candidatas.
- Estimar a procura global e planear a capacidade de produção e logística de distribuição necessárias, no sentido de priorizar a implementação de uma campanha massiva de vacinação sem precedentes.
- Assegurar uma vacina eficaz e economicamente viável, acessível às populações em todo o mundo, acordando antecipadamente regras de aquisição e propriedade intelectual de modo a evitar disputas de licitações e de preços que afetarão sobretudo os mais pobres.
- Definir mecanismos de financiamento público apropriados, complementares ao investimento privado, que reduzam a incerteza do retorno financeiro, vinculados à efetividade da vacina e às condições de acessibilidade e disponibilidade dos vários países, como é o caso da iniciativa global COVAX que visa garantir pelo menos 950 milhões de doses de qualquer vacina bem-sucedida para países de baixo ou médio-rendimento.
Infelizmente o bilateralismo tem sido a estratégia dominante. Influenciados pelas atuais estratégias geopolíticas e guerras comerciais, vários países incluindo a União Europeia, o Reino Unido e os Estados Unidos da América já assinaram acordos bilaterais com várias empresas, numa luta para garantir milhões de doses de vacinas candidatas. Também alguns países de baixo ou médio-rendimento estão em negociações com bancos para financiar os seus próprios acordos bilaterais.
Será a corrida a uma vacina contra o COVID-19 a corrida espacial dos nossos tempos? Esta é a sensação de deja vu que a vacina Sputnik V nos deixou, aquando do seu anúncio oficial na passada semana, pelo Presidente Vladimir Putin. Esperemos que Sputnik V não seja a morte anunciada do modelo de cooperação internacional necessário para combater esta pandemia – antes um wake up call para o rumo que necessariamente e quanto antes teremos de tomar.
Eliana Barrenho
OCDE, Economista e Analista de Políticas de Saúde
As opiniões e argumentos expressos neste documento são de responsabilidade da autora e não refletem necessariamente as opiniões oficiais da OCDE ou dos seus países membros.
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