Claude Chabrol, precursor do movimento Nouvelle Vague, disse: não há novas ondas, só mar. Vejo nisso uma metáfora para a situação, de transição quase inevitável de epidemia para endemia, que vivemos. O cenário de endemicidade é, na maior parte das doenças, precedido por sucessivas epidemias, de diferentes magnitudes, que vulgarmente chamamos de ondas pela representação gráfica que as mimetiza.
Chegou o verão e estamos todos a precisar de ouvir o clássico “Sol da Caparica” dos Peste & Sida a caminho da praia. Mas qual é a consequência deste desejo de mar e sol na situação de pandemia atual? Será que vamos ter uma “onda” de casos de coronavirus no verão antes da antecipada “onda” no inverno? Estaremos preparados para surfar uma onda da Nazaré?
Com o término gradual de medidas de contenção e do confinamento social, a sociedade foi voltando a um novo normal. Contudo era expectável, que com a reentrada de indivíduos susceptíveis, verificar um aumento progressivo de casos. Assim, incidência de casos confirmados foi aumentando e apesar de consideravelmente inferior aos valores observados no final de março temos agora, a 13 de Julho, 115 casos confirmados por cada 1000 casos suspeitos (Relatório de Situação, DGS). Esta evolução parece indicar que teremos um segundo pico, uma segunda “onda” possivelmente ainda neste verão. Mas estará o SNS preparado para uma onda da Nazaré? Dada a incerteza relativamente ao tempo de recuperação dos doentes com COVID-19 especialmente em âmbito de internamento hospitalar, qual é o número de novos casos diários que o SNS será capaz de acompanhar e tratar? Façamos o seguinte exercício, se 97% dos casos confirmados são seguidos em casa, teremos cerca de 11 doentes hospitalares por cada 350 casos diários. Destes 11 doentes (empregando a configuração da atual apresentação clínica dos casos confirmados – do relatório de situação da DGS) cerca de 14% – 1,5 doentes – precisarão de internamento em UCI. Se diariamente temos mais 11 doentes internados dos quais 1,5 estão em UCI, quantos dias nos restam até estarmos a usar o máximo de recursos do SNS? Como sabemos, não se trata de uma aritmética tão linear. A montante da pressão sobre as UCI temos, entre outros, a variação da taxa de infecção que determinará a velocidade das novas admissões hospitalares e a jusante, aspectos como, a gestão/alocação de recursos e outcomes da intervenção, tal como a morte ou recuperação, irão aliviar a pressão no Serviço de Medicina Intensiva e UCI. A tendência internacional para responder a esta questão é uma adaptação ao modelo SIR, desenvolvido pela Universidade da Pensilvânia – E.U.A, CHIME (disponível aqui), que permite-nos muito rapidamente parametrizar e entender se estamos efetivamente preparados para uma “rasgada” da onda. Perdoe-se a tentativa de uso de analogia da manobra do surf que se traduz, no meu leigo entender do assunto, numa descida brusca da onda antecedida por uma breve subida. Regressando à questão e assumindo algumas constantes no CHIME, percebe-se que temos um número razoável de camas para enfrentar uma possível nova “onda” com tranquilidade se a subida de casos não se tornar exponencial. Contudo, aspectos como a desinformação e a saturação da população em relação a medidas de distanciamento social e outros cuidados inerentes à prevenção de um inimigo invisível, e fácil de ignorar, podem levar a um aumento significativo do R0 e como consequência quebrar a nossa tábua de salvação, que está preparada para uma onda de verão, mas não para uma onda da Nazaré.
Rita Santos
Centre for Heath Economics, University of York