A COVID-19 trouxe alguma atenção aos lares de idosos —infelizmente não pelos melhores motivos—, o que me levou a notar (não pela primeira vez) que em Portugal, não sabemos rigorosamente nada sobre a qualidade dos cuidados e serviços prestados nesses estabelecimentos. Na verdade, no que toca as várias respostas sociais para os mais velhos, sendo as principais os lares, centros de dia e apoio domiciliário, sabemos muito pouco.
Do meu conhecimento —que pode ser deficitário—, a informação disponível inclui os números de estabelecimentos, capacidade, taxas de utilização, e uma caracterização básica e agregada dos utentes segundo a residência (p. ex., se é oriundo do próprio concelho onde se encontra o lar), idade, tempo de permanência (i.e., há quanto tempo é utente), e prevalência de dificuldades na realização das atividades da vida diária. Esta é a informação publicada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) na Carta Social.
Eis alguma da informação que seria importante conhecermos mas que não conhecemos, porque ou não é recolhida, ou não é disponibilizada (e se é recolhida, é utilizada pelos nossos decisores políticos para tomar decisões informadas?):
- Financiamento dos prestadores: que parte dos recursos financeiros das instituições provém de pagamentos do Ministério da Saúde, por exemplo pela prestação de cuidados de saúde no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados e Integrados, que parte provém de subsídios do estado, nomeadamente do MTSSS, e que parte corresponde a pagamentos pelos próprios utentes e seus familiares?
- Recursos humanos: quantos funcionários existem em cada instituição (a tempo total e a tempo parcial), nas várias funções (médicos, enfermeiros, auxiliares, cozinheiros…), e quais são as suas qualificações? Qual é a taxa de rotatividade? Haverá problemas de retenção? Porquê?
- Utentes: quantos utentes são temporários (p. ex., a recuperar de uma operação, descanso do cuidador), e quantos são permanentes? Como se caracterizam, não só a nível demográfico e de dependência, mas também a nível socioeconómico? Haverá problemas de seleção ou de discriminação; desigualdades no acesso?
- Oferta e procura: a oferta é suficiente? Quantas pessoas há em lista de espera? Quantas têm de ir para um lar longe de onde moravam e de onde mora a sua família, onde não conhecem ninguém? Haverá indivíduos com necessidades não satisfeitas na comunidade que não estão sinalizados?
- Quantas estrelas tem o “seu” lar?
Como referi no início, não sabemos nada sobre a qualidade dos nossos lares ou das restantes respostas sociais. Porque é que faz falta informação sobre a qualidade dos cuidados e serviços prestados por estas instituições?
- Em primeiro lugar, para garantir um nível mínimo de qualidade. A monitorização da atividade destas instituições deve ser sistemática, generalizada e padronizada, para ajudar a sinalizar e compreender problemas — e a resolvê-los. Fazendo a ligação com a lista acima, porque será a performance de um determinado lar má? Será porque recebe utentes de classes socioeconómicas mais desfavorecidas? Será porque tem falta de pessoal qualificado e/ou motivado? A monitorização deve ser feita por uma instituição externa, não deve ser anunciada/antecipada, e deve ter consequências (é sabido que em Portugal temos lares ilegais que estão identificados e continuam a funcionar).
- A recolha de indicadores de qualidade e a sua publicação deveria incentivar os prestadores a melhorar a qualidade, p. ex. porque os consumidores passam a poder fazer escolhas mais informadas ou a “exigir” mais do seu prestador. A evidência existente para os EUA e para a Alemanha sugere que a publicação de indicadores de qualidade leva à melhoria da qualidade, pelo menos quando há concorrência (p. ex., Grabowski e Town 2011, Herr et al. 2016, Zhao 2016). O título deste artigo faz menção a um sistema de classificação por estrelas, porque a evidência disponível sugere que tal sistema de reporte (por oposição ao reporte de uma bateria de indicadores) é de mais fácil compreensão e pode por isso aumentar a resposta dos consumidores (Perraillon et al. 2017).
- A recolha de indicadores de qualidade serve ainda de base a um eventual sistema de pagamento com base na performance, no futuro, como sistema de incentivo à qualidade. No entanto, a evidência sobre a eficácia deste tipo de sistema de pagamento ainda é escassa (Konetzka et al. 2018).
- Não há evidência de que melhorar a qualidade tenha de aumentar custos para os lares, e pode até reduzi-los (Di Giorgio et al. 2016).
Em jeito de conclusão, um estudo recente encontra uma relação positiva entre qualidade e ausência de casos e mortes relacionadas com a COVID-19 nos lares da Califórnia. Fica a esperança de que esta crise sirva pelo menos para mostrar a necessidade que temos de maior transparência no setor das respostas sociais para os mais velhos (entre outros).
Judite Gonçalves
Nova School of Business and Economics