A COVID-19 tem flagelado vidas, ameaçado a saúde pública, depauperado a economia. De acordo com previsões do Banco de Portugal, em 2020 o produto interno bruto português cairá 9,5%, naquela que será a maior contração da atividade económica do último século. O Governo português, numa tentativa de mitigar os efeitos nefastos da pandemia na economia, tem anunciado inúmeras medidas de apoio às empresas e aos trabalhadores, como sejam o regime de layoff simplificado ou o diferimento do pagamento de contribuições à Segurança Social pelas entidades empregadoras ou por trabalhadores independentes.
Em Portugal, ao contrário do que foi estipulado em países como a França ou a Dinamarca, as empresas com ligações a offshores vão poder beneficiar dos mecanismos de apoio excecional criados pelo Governo. Em vez de se adotar uma postura pedagógica, que punisse empresas opacas, passa-se a mensagem de que não vale de muito ter uma situação tributária regularizada, porque o Estado auxilia todos por igual. A decisão de apoiar empresas que não deixam em Portugal a sua quota-parte de impostos constitui uma afronta a todos os contribuintes honestos, a todas as entidades íntegras.
Aos instrumentos de assistência económica e social desenhados pelo Governo português, junta-se o plano da Comissão Europeia para estimular a economia do bloco, com base na solidariedade entre os estados-membros. Se todos os países partilham genuinamente dessa solidariedade, já é outra questão. De facto, os “quatro frugais” (Áustria, Dinamarca, Suécia e Países Baixos) têm-se oposto veementemente à emissão de dívida conjunta pelos 27 países da União Europeia (UE) para financiar a resposta à crise e, mais recentemente, propuseram que o fundo de recuperação da UE fosse distribuído sob a forma de empréstimos e não de subvenções. Receiam que os países do sul beneficiem indevidamente dessa ajuda. Esta posição dos Países Baixos é muito caricata!
Os Países Baixos não integram a lista da UE de jurisdições fiscais não cooperantes, é certo, mas são um paraíso fiscal velado. Se o país de Wopke Hoekstra não enveredasse por uma política fiscal agressiva, a Europa teria certamente mais margem para estabilizar a economia em momentos como o que enfrentamos. De acordo com um estudo da organização internacional Tax Justice Network (TJN), a engenharia fiscal das empresas multinacionais norte-americanas, em grande parte possibilitada pelos Países Baixos, faz com que Portugal perca anualmente um montante equivalente a aproximadamente 1,5% da despesa em saúde em Portugal. Se tivermos ainda em conta as empresas do PSI-20 que têm sede fiscal nos Países Baixos, rapidamente depreendemos que o Estado português perde quantias substanciais em impostos não arrecadados, que poderiam ser aplicados em prol do bem comum, no Serviço Nacional de Saúde ou na Educação pública. Felizmente, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico e a Comissão Europeia têm desenvolvido trabalho no sentido de aumentar os níveis de transparência da fiscalidade corporativa, bem como de a adaptar à economia digital.
A COVID-19 veio indiscutivelmente comprovar a importância do Estado social. Cidadãos e empresas voltam-se agora para o Estado, na esperança de que este lhes confira alguma confiança, na esperança de que atenue as antecipadas quebras de rendimento. Resta saber se estes cidadãos e empresas honraram as suas obrigações fiscais em tempos de bonança.
Carolina Santos
Nova School of Business and Economics