Sabemos que as desigualdades sociais se manifestam, também, em profundas desigualdades em saúde. Refletem-se não só no acesso à saúde, mas também nos seus resultados. Sabemos que as franjas mais vulneráveis da população são também as mais permeáveis a choques em saúde, com reflexos na sua esperança média de vida e na qualidade da mesma. Esta é uma realidade, não exclusivamente portuguesa, com a qual nos conformamos e, no nosso dia-a-dia, aprendemos, em maior ou menor medida, a ignorar.
Uma das mais cruéis facetas da pandemia do COVID-19 foi precisamente por a nu esta triste realidade. Acordados da nossa dormência verificamos com espanto (?) que a pandemia afeta desproporcionalmente aqueles que estão mais desprotegidos.
A região de Lisboa tem sido disso mesmo um exemplo, nestas últimas semanas. Do topo da nossa sabedoria, proclamamos a necessidade do distanciamento social, da utilização de equipamentos de proteção individual, da minimização na utilização dos transportes públicos, entre tantas outras medidas. Todas estas medidas são importantes, naquele que é um esforço conjunto de controlar a pandemia. Porém, estas mesmas medidas esbarram com a crua realidade, não sendo eficazes ou mesmo exequíveis junto dos mais pobres.
E que pobres são estes? Uma classe trabalhadora, grande parte em profissões essenciais, com baixos rendimentos, vivendo nos subúrbios de Lisboa, muitas vezes com grandes agregados familiares e em habitações pequenas e de fraca qualidade. Classe que depende dos transportes públicos, mesmo quando cheios, para chegarem ao local de trabalho. Pessoas que dependem do seu salário para comprar comida e às quais não sobra muito (ou quase nada) ao final do mês. Enfrentam a escolha impossível entre comprar comida ou máscaras, ou entre trabalhar e ficar em casa. As notícias multiplicam-se e as preocupações adensam-se com os operários da construção civil, trabalhadores da distribuição, e tantos outros. E ainda que estes exemplos sejam da região de Lisboa, refletem uma realidade que existe dispersa por todo o país. Os problemas de base são, porém, os mesmos. Podemos genuinamente estar surpreendidos com estas notícias?
A pandemia pôs a nu esta velha realidade. Um exemplo concreto é a multiplicação de pedidos de ajuda alimentar de cidadãos que passam fome. As assimetrias nas grandes zonas urbanas são gritantes e os sistemas de segurança social – inegavelmente importantes mas muitas vezes parcos em instrumentos e incentivos – têm falhado na missão de quebrar o ciclo de pobreza. Mesmo a rede de segurança que o sistema deveria incluir deixa escapar por entre as suas malhas milhares de cidadãos. É esta a sociedade que queremos continuar a ter? Não será esta uma boa oportunidade de repensar o nosso sistema de apoio social?
Eduardo Costa
Nova School of Business and Economics