O crescimento e desenvolvimento económico estão sujeitos a uma série de choques que afetam a segurança alimentar e a nutrição das populações mais vulneráveis. Uma crise à escala mundial, como a da COVID-19, é disso exemplo consistindo num choque externo com consequências ao nível do bem-estar e gerando desemprego e perda de rendimento generalizada.
Ainda que as consequências económicas da pandemia já se façam sentir, até ao momento pouco se tem discutido o impacto da pandemia na segurança e hábitos alimentares dos portugueses. Dados do Barómetro COVID-19, o primeiro inquérito sobre o COVID-19 da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa, apontam para um aumento do consumo de álcool e comida menos saudável como consequência do confinamento relativo à crise pandémica.1
A capacidade de fazer face a um choque desta magnitude depende em parte da taxa de poupança dos indivíduos. Em Portugal, a taxa de poupança em percentagem do rendimento disponível das famílias é de -2.05%.2 Uma taxa de poupança negativa significa que os portugueses já utilizavam as suas poupanças ou recorriam ao credito para fazer face a despesas regulares e inevitáveis. Deixando pouca ou nenhuma margem financeira para fazer face a um choque desta magnitude, sobretudo no que toca às famílias mais desfavorecidas que despendem uma maior percentagem do seu rendimento disponível em alimentação.
A experiência recente indica que os indivíduos, face a uma perda de rendimento, conseguem manter a qualidade das dietas e a ingestão diária de calorias substituindo despesa por tempo despendido na procura de bens substitutos com preço inferior, implicando grandes mudanças nos hábitos alimentares.3-6
Contudo, o contexto de confinamento social coloca barreiras acrescidas aos indivíduos. Por um lado, o isolamento aumenta os níveis de stress e ansiedade intimamente relacionados com uma alimentação menos saudável.7 Pelo o outro, a capacidade dos indivíduos fazerem face ao choque económico aumentando o esforço de procura por bens alimentares substitutos mais baratos encontra-se diminuída. O acesso e a disponibilidade de alimentos são particularmente vulneráveis às implicações do surto pandémico, principalmente devido às dificuldades no transporte, distribuição e entrega impossibilitando estratégias individuais para fazer face à perda de rendimento.8 Esta situação conduziu ao açambarcamento de bens alimentares, permitindo aos que dispõem de mais recursos a possibilidade de acumular mais do que precisam causando consequências devastadoras para as populações mais desfavorecidas, provocando escassez e aumentando o preço.9
A diminuição da qualidade da alimentação das famílias, tendo em conta que os efeitos desta crise serão persistentes, terá consequências significativas ao nível da saúde dos portugueses com o aumento do risco de obesidade e doenças cardiovasculares.10 O impacto da pandemia na nutrição e nos hábitos alimentares já ultrapassou as famílias e as comunidades, para se tornar um problema de carácter nacional e global. Esta interdependência torna a saúde de cada indivíduo uma função direta das suas escolhas, das escolhas da comunidade, do envolvimento governamental e, em última analise, da resposta global a esta temática. É portanto, urgente identificar as consequências da pandemia ao nível da nutrição em Portugal e desenvolver uma plataforma de ação que as permita mitigar.
Tiago Matos
Center for Primary Care and Public Health (Unisanté),
University of Lausanne, Switzerland
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