Em 1965, o panorama nacional das doenças evitáveis por vacinação sofreu uma alteração em Portugal através da criação, por esta altura, do Programa Nacional de Vacinação (PNV). Com mais de 50 anos, o PNV tem sido atualizado por forma a dar resposta a doenças e problemas de saúde pública ao longo de décadas.
Importa referir que a vacinação é uma das intervenções de saúde pública com melhor relação custo-efetividade até à data, evitando cerca de 2 a 3 milhões de mortes mundiais por ano. Entre 2000 e 2007, as mortes por sarampo diminuíram cerca de 80% em todo o mundo, prevenindo-se, aproximadamente, 21,1 milhões de mortes. No mesmo seguimento, em meados de março de 2019, a maioria dos países conseguiram eliminar o tétano materno e neonatal, uma doença com uma taxa de mortalidade de 70 a 100% nos recém-nascidos (1).
Gráfico: Mortes causadas por doenças evitáveis por vacinação (1990-2017). (Fonte: Our World in Data)
Apesar dos números referentes a mortes causadas por doenças evitáveis por vacinação serem bastante animadores, a utilização de vacinas na Europa, assim como em outros continentes, diminuiu acentuadamente nos últimos anos, motivada, entre outros, por uma crescente hesitação vacinal. O aumento do número de crianças não vacinadas, muitas vezes devido a movimentos anti vacinação, levou ao crescimento do número de casos de sarampo em países como os Estados Unidos da América, Reino Unido e França (2). A título de exemplo, a queda na cobertura da vacina VASPR* foi seguida de surtos de sarampo com mais de 500,000 casos confirmados mundialmente em 2019, valor superior a qualquer outro ano desde 2006 (3). No primeiro semestre de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) Europa alertava para o facto dos países desta região se encontrarem a atravessar um surto de sarampo com 89,994 casos, em 48 dos países membros, mais do dobro de casos relativamente ao período homólogo (44,175), e também superior ao ano de 2018 (84,462) (4). Em Portugal, a vacinação contra o sarampo iniciou-se em 1973 e contou, posteriormente, em 2015, com certificados de eliminação do sarampo emitidos pela OMS. Apesar do número de casos de sarampo em Portugal nos últimos anos ser muito próximo de zero, no ano de 2018 existiu um aumento substancial do número de casos confirmados (168 casos), cinco vezes superior ao ano transato (29 casos) (5).
Embora a taxa de cobertura vacinal em Portugal seja uma das melhores da Europa, verificou-se um decréscimo de cerca de 16,5% do número de vacinas administradas durante o mês de abril de 2020 quando comparado com o mesmo período de 2019, uma situação que preocupa, naturalmente, as autoridades de saúde nacionais (6).
Neste momento, por consequência da conjuntura atual de pandemia por COVID-19, tem sido relatado um decréscimo da vacinação em vários países do mundo. Em resposta ao risco iminente de interrupção das atividades de vacinação, a OMS forneceu uma orientação, a 20 de março, na qual refere a importância de priorizar o cumprimento dos programas de vacinação, tendo em conta a avaliação da situação epidemiológica local de cada país. Esta orientação alerta também para o risco do aumento da morbilidade e mortalidade das doenças evitáveis por vacinação, associadas ao não cumprimento da mesma, o que poderá simbolizar uma potencial sobrecarga futura para os serviços de saúde (7).Tendo em conta o impacto da pandemia de COVID-19 na vacinação, a GAVI Alliance (Gavi, The Vaccine Alliance) estimou que, pelo menos 13.5 milhões de pessoas dos países menos desenvolvidos não serão vacinadas contra o sarampo, poliomielite e Vírus do Papiloma Humano (HPV) a curto prazo (8). A vacinação de rotina é um serviço de saúde essencial que deve ser priorizado, sob pena de podermos assistir a surtos de doenças, especialmente em crianças.
Muitos países com casos confirmados de COVID-19 implementaram medidas de prevenção, tais como o isolamento social, o distanciamento social e a quarentena, que provavelmente também terão contribuído para a diminuição da transmissão comunitária de doenças evitáveis por vacinação. Porém, estas medidas trouxeram igualmente um novo desafio: assegurar o cumprimento do PNV, por forma a que as doenças transmissíveis tenham um menor impacto aquando a normalização da vida social e nos anos que se seguem.
A diminuição da vacinação no ano de 2020 poderá gerar um número elevado de crianças suscetíveis a doenças como o sarampo. Embora o combate à COVID-19 seja prioritário, é crucial que outros cuidados de saúde sejam assegurados, entre estes, a vacinação. Neste sentido, é vital que no decurso da pandemia as autoridades de saúde mantenham a confiança da população na vacinação. Para este desígnio, poderá ser realizado um reforço nas informações que sensibilizem e apelem ao cumprimento da vacinação e repensada a forma como a comunicação é dirigida. Por exemplo, promovendo-se ações conjuntas entre as autoridades de saúde, o poder local e os agrupamentos ou unidades de saúde de proximidade, através da definição de estratégias localizadas perante a avaliação da situação local.
Diana Costa
Farmacêutica
*VASPR – Vacina contra sarampo (S) combinada com as vacinas contra rubéola (R) e parotidite epidémica (P)