Olhando para os últimos três meses, a “noite COVID-19”, encontramos muitos aspectos que correram muito melhor do que se receava (à luz do que então acontecia noutros países da Europa, Itália, Espanha, França, mais tarde Reino Unido). Os hospitais foram sendo o elemento mais visível do Serviço Nacional de Saúde. Tinha sido nos hospitais dos outros países que as situações mais dramáticas foram reportadas.
É nos especialistas hospitalares que é procurada frequentemente a opinião técnica sobre as características e evolução da COVID-19 (o que é, como se trata, etc.).
Mesmo a comunicação oficial dá-lhes implicitamente destaque ao reportar os casos de internamento hospitalar e dentro destes, os casos de internamento em unidades de cuidados intensivos.
É compreensível que tal suceda por ser no hospital que usualmente se irão colocar os momentos mais dramáticos, do caminhar na fina linha que separa a vida da morte.
Torna-se justo que se comece a conhecer mais e a reconhecer claramente todo um trabalho invisível, o do acompanhamento feito aos doentes confirmados com COVID-19 e que não foram internados em hospitais. O garantir que a sua evolução e recuperação decorre sem problemas só é possível pela existência de uma forte rede de cuidados de saúde primários, de médicos de família. Tiveram e continuam a ter o papel de evitar que estes doentes venham a necessitar de internamento ou viessem a procurar serem tratados no hospital por falta de outra forma de resposta.
Também os médicos de saúde pública, com a tarefa de seguirem os casos suspeitos de quem contactou ou esteve em proximidade de doentes com COVID-19, desenvolvem um trabalho longe dos holofotes mediáticos e das estatísticas oficiais.
Sobre esta atividade apenas sabemos o que tem sido dito nas poucas estatísticas que o Primeiro Ministro leva consigo quando fala de novas etapas de desconfinamento: mais de 97% dos doentes confirmados com COVID-19 é seguida em casa, sem necessidade de internamento hospitalar. Logo, alguém faz esse seguimento. Porque todos são importantes no esforço de resposta à COVID-19. Conhecer o volume de trabalho tido, as condições em que esse trabalho foi desenvolvido, que formas de articulação entre médicos de família, médicos de saúde pública e hospitais se desenvolveram e funcionaram melhor, bem como o que se pode daí retirar para melhor organizar, deverá estar na agenda de trabalho de quem gere o Serviço Nacional de Saúde.
Espero que um dia se conheça e reconheça este trabalho invisível, e qual o esforço desenvolvido por quem para ele contribuiu.
Pedro Pita Barros
Professor BPI | Fundação “la Caixa” de Economia da Saúde
Nova School of Business and Economics, Universidade Nova de Lisboa