Médicos e enfermeiros na linha de frente do sistema de saúde viveram os últimos meses sob a ameaça de racionamento de cuidados de saúde. Os médicos italianos soaram o alarme, mas a ameaça é generalizada. Estamos a ter de fazer escolhas que nunca pensámos que deveríamos fazer, diziam. Um ventilador, duas pessoas. Um deles terá 50% de chance de sobreviver a esta doença. O outro, talvez a hipótese de dizer adeus. Muito provavelmente, nem isso. Em pouco tempo, Espanha percebeu que a difícil escolha lhes batia à porta. Previsivelmente racional, França desenvolveu rapidamente sistemas de triagem e protocolos. Os Países Baixos, previsivelmente eficientes, lembraram aos idosos e vulneráveis que podiam optar por ficar em casa e deixar os ventiladores para jovens e saudáveis. Ou previamente saudáveis.
A pandemia trouxe consigo uma súbita perceção de que o sistema de saúde tem capacidade limitada, de que é preciso alisar a curva. Espalhe-se a necessidade de tratamento ao longo do tempo para que possamos escolher quem recebe o quê e quando. O racionamento chegou às manchetes, mas é uma realidade omnipresente. Os sistemas de saúde têm recursos limitados e racionam a prestação de cuidados de uma de duas maneiras: preço, e mecanismos de racionamento sem preço. Sistemas de saúde tendencialmente gratuitos, como o Serviço Nacional de Saúde (SNS) Português dependem principalmente de racionamento sem preço, por exemplo listas de espera para consultas de especialidade ou cirurgia.
Em Portugal, o problema das listas de espera é crónico, com crises agudas. A fase em que agora nos encontramos é crítica, com um acumular de doença, diagnosticada e por diagnosticar, ao longo dos últimos meses. Se a COVID-19 e o coronavírus nos ensinaram algo, foi a necessidade de dar prioridade ao cuidado dos mais vulneráveis. É essencial identificar onde estão e desenvolver ferramentas que permitam recuperar o tempo perdido. No nosso sistema de saúde não há como evitar listas de espera, mas é preciso evitar que se transformem em listas de desespero.
Sara Machado
Department of Health Policy, London School of Economics and Political Science