Eu não vou fazer um título com COVID-19. Na verdade, vou apenas falar de uma pergunta, que embora já existisse antes, se adensou com a pandemia. Hoje, as pessoas estão a atribuir mais valor aos profissionais de saúde, sobretudo aos médicos, e começa a ser comum ouvi-las perguntarem acerca do salário de quem consideram ser os seus heróis. Uma das frases tipo que me chama mais à atenção é: “Porque é que os futebolistas que não servem para nada ganham tanto dinheiro e os médicos que são tão importantes recebem tão pouco”. Sendo eu um grande fã de futebol e um economista, achei que fosse minha obrigação explicar este puzzle.
Resumindo, as pessoas confundem valor e preço. Um exemplo comum em economia é o da água e dos diamantes. Aposto que não há ninguém no mundo que vá dizer que um diamante tenha mais valor que a água. A água é vital! Enquanto que o diamante não serve para nada. É apenas bonito e resistente. Então porque é que a água que é tão valiosa e tão barata, enquanto o diamante que tem tão pouco valor é tão caro? A resposta está nas quantidades. Há água em abundância. Todos temos acesso a água. Logo, embora a valorização que nós damos à água seja tão alta, a quantidade disponível não nos faz competir por ela. Em economês, a oferta é absurdamente maior que a procura, levando a um equilíbrio de mercado com um preço baixo. No caso do diamante, a sua raridade faz com que a oferta seja muito baixa em relação à procura, o que causa um equilíbrio de mercado com um preço alto.
O que se passa entre os médicos e os melhores jogadores de futebol é mais ou menos a mesma coisa. Embora os médicos tenham muito mais valor para a sociedade, eles são menos “raros”, ou melhor, mais fáceis de substituir. Mas um jogador de topo como o Cristiano Ronaldo é único. Impossível de substituir. Digamos então que a oferta de jogadores de futebol ao nível do Ronaldo é extremamente baixa enquanto que a oferta de médicos em geral é relativamente alta.
Neste momento o vosso instinto está a dizer-vos que o que eu escrevi não pode estar certo. Eu entendo esse sentimento. Mas pensem nos profissionais que fazem a limpeza dos hospitais. Querem algo mais importante para a sociedade? Provavelmente estará ao nível da medicina porque não podemos ter hospitais sem condições mínimas de higiene. Seriam matadouros! No entanto estes profissionais recebem muito pouco. Porquê? Porque são fáceis de substituir. O valor está na tarefa, mas não necessariamente no individuo que a executa. Se tivesse de ser um médico a limpar ele limparia. Até um jogador de futebol seria capaz de limpar. Mas um profissional de limpeza não seria capaz de curar (nem jogar à bola ao mais alto nível).
Reparem que os jogadores de futebol em escalões inferiores recebem menos que os médicos. Mesmo muitos dos jogadores em escalões superiores recebem menos que os médicos. A diferença faz-se apenas nos melhores jogadores, os que estão nos melhores clubes ou nas melhores ligas. Esses recebem mais que os melhores médicos do mundo por causa da sua raridade. Façam as contas. Contem o número de jogadores de elite e o número de bons médicos no mundo…
Obviamente não são só as diferenças na oferta que justificam este fenómeno. Também há diferenças importantes na procura. A procura por cuidados de saúde é condicional e local. Só procura cuidados de saúde quem está doente e normalmente na sua zona de residência. A procura por futebol é mais abrangente e constante. O Cristiano Ronaldo tem o mundo inteiro a ver os jogos dele e a comprar o seu merchandising e imagem. Portanto, menor oferta, mais procura, mais dinheiro…
Por fim, só uma nota para dizer que em países como Portugal, em que os salários dos profissionais de saúde no setor público estão tabelados, esta diferença é logicamente ainda mais gritante. Claro que num mercado não regulado neste momento já estaríamos a pagar cuidados de saúde a peso de ouro.
Seja como for, mesmo num mercado livre os melhores jogadores do mundo recebem muito mais que os melhores médicos do mundo. E recebem infinitas vezes mais que um médico ou profissional de limpeza aleatório. E sim, ninguém tem dúvidas que os médicos e os profissionais de limpeza desempenham tarefas muito mais importantes que chutar numa bola. Portanto não é o valor da tarefa, é a escassez de pessoas capazes de a desempenhar!
Não é valor, é preço!
Se quiserem ouvir a explicação completa dada pelo meu amigo Rafael Barbosa façam favor de procurar o nosso podcast sobre futebol: Testemunhas da Bola. Ouçam o episódio intitulado “Testemunhas do caloteiro e dos salários” a partir do minuto 24, que é quando entra o tema.
Luís Filipe
Nova School of Business and Economics