Assistimos, desde os primeiros casos de Covid-19, a diversas projecções da curva epidemiologica. Inicialmente a discussão visava entender o número de pessoas que ficaria afectada e as consequências para o sistema nacional de saúde (SNS), particularmente nos cuidados intensivos. Quase todas as projeções matemáticas falharam, não por incapacidade dos modelos logísticos mas pela incerteza temporal da instituição das diferentes fases de intervenção: contenção, mitigação e supressão, que obedecem não apenas à ciência mas ao poder político. À medida que a realidade permite traçar a curva real, quer de casos confirmados como de mortalidade, a discussão sofre um desvio gravitacional para outros objectivos como o relaxamento das medidas impostas. Discutem-se, a mortalidade com e por COVID e a influência na variação da mortalidade geral, as consequências económicas e sociais das atuais medidas e do seu impacto futuro. Traçam-se novas curvas com o intuito de entender se devemos e se vamos retornar ao “normal”.
Estamos, regra geral, enviesados pelo envolvimento emocional que as medidas de isolamento causam, e isto gera viéses não apenas nas análises mas nos objectivos destas. Assim propõe-se o exercício de dar um passo atrás e com perspectiva entender o triângulo em epígrafe e a importância dos seus vértices. Começamos pela distinção dos casos confirmados (indivíduos testados com diagnóstico positivo) e casos suspeitos (indivíduos com sintomas compatíveis com COVID, como por exemplo tosse, febre, dificuldade respiratórias). É também importante entender que ambos contribuem, directamente e indirectamente, para mortalidade.
O número de casos suspeitos será um melhor indicador da dimensão da pandemia, especialmente quando se começam a fazer planos para terminar a contenção e confinamento social. Analisando o mais recente relatório da Direção Geral de Saúde, observa-se que em cada 1000 casos suspeitos, 100 são casos confirmados. Mais alarmante, é o facto de morrerem cerca de 3.6% dos casos confirmados. Continuando a contextualização da realidade Nacional, verificamos que apesar do aumento cumulativo, conseguiu-se um decréscimo diário do número de internamentos por COVID de 1284 (a 16 de Abril) para 1095 (a 22 de Abril), libertando capacidade hospitalar e de Unidade de Cuidados Intensivos. Esta recente evolução permite-nos falar de achatamento da curva, isto é, decréscimo do número diário de óbitos e diminuição de novos caso ( no nosso caso assistimos a uma incidência quase constante). Estes números são consequência das medidas de quarentena e distanciamento social, rastreio e reforço do sistema nacional de saúde. O levantamento das actuais restrições está em discussão. Sem estas, o números de interacções entre indivíduos aumenta e consequentemente a propagação do vírus. Todos constituímos potenciais vectores de contágio, assim quanto mais interações sociais temos, mais pessoas podemos potencialmente infectar. Enquanto não houver medidas terapêuticas eficazes e\ou vacina, sair de quarentena precipitadamente pode colocar em risco todo o progresso alcançado em termos da redução do número de casos. O triângulo entre casos suspeitos, casos confirmados e mortalidade, indica que o aumento do primeiro pode, semanas depois, levar ao esgotamento da capacidade de resposta do SNS, especialmente a capacidade de resposta hospitalar aos casos mais graves.
Rita Santos
Centre for Heath Economics, University of York