Durante as nossas vidas é difícil pensarmos num momento em que todos os países do mundo estão a ser atingidos pela mesma doença ao mesmo tempo. Pois esse momento é agora: todos os países do mundo estão a ser atingidos pelo novo coronavírus (COVID-19).
Esta pandemia vem lançar novos desafios à economia da saúde. Raramente terão existido outras ocasiões em que todos os sistemas de saúde sofreram um choque de procura em simultâneo. Observam-se também as mesmas necessidades por recursos em todos os sistemas: equipamentos de protecção individual, máscaras, ventiladores, álcool, paracetamol, entre outros. Isto faz com que não se consiga satisfazer a procura por dois motivos: 1) há um momento em que deixa de haver capacidade de resposta do sistema; 2) por falta de recursos produtivos, incluindo, também, recursos humanos.
Embora trágica, a presente situação vem lançar desafios interessantes à economia da saúde. Estamos a observar muitas das falhas de mercado que identificamos no mercado da saúde. Resta-nos tentar perceber melhor como estas podem ser colmatadas no caso das pandemias.
Verificamos que as situações de duplo emprego, tão frequentes entre os profissionais de saúde em muitos países, são um verdadeiro estrangulamento do sistema neste momento. Em Portugal, devido ao aumento súbito da procura no Serviço Nacional de Saúde, muitos profissionais, por terem de trabalhar mais horas no SNS, mesmo que quisessem, não seriam capazes de continuar a assegurar o trabalho no sector privado. O que faz com que existam camas não podendo, contudo, ser efectivamente ocupadas para o fim a que se destinam.
Existem muitos outros contributos que a economia da saúde pode dar como, por exemplo, ajudar a definir como afectar de forma mais eficiente os recursos escassos e determinar prioridades que garantam a maximização da saúde da população. Em simultâneo, é relevante reflectirmos sobre as questões de equidade intergeracional que esta pandemia nos traz.
Por último, não podia deixar de referir o impacto que esta pandemia irá ter na metodologia aplicada à avaliação económica que tem servido para apoiar grande parte das decisões dos ministérios da saúde. Os QALYs (quality adjusted life year) são inúteis para a avaliação do impacto de muitas das medidas agora tomadas. Por exemplo, se quisermos medir o impacto do isolamento social, um instrumento como o EQ-5D (instrumento genérico para medir o estado de saúde), não nos servirá de muito. Vamos necessitar de recorrer à análise custo-benefício de modo a incluir todos os benefícios e custos que ocorreram na sociedade. E não existe um instrumento como o EQ-5D que nos permita fazer isto com facilidade.
Os próximos tempos vão fazer-nos reflectir sobre o que ainda não sabemos em economia da saúde e vão estimular o aprofundamento de novas áreas do conhecimento.
Juntos vamos conseguir!
Céu Mateus,
Universidade de Lancastre, Presidente da APES