Em tempos de COVID-19 discute-se bastante a SAÚDE MENTAL, especialmente durante o confinamento. Saúde mental, esse tabu sobre o qual durante muito tempo pouco ou entre dentes se falava, chamando-lhe timidamente até de outras coisas que não o que realmente é. A saúde mental no geral e dos portugueses em particular, precisa de ser falada, precisa de ser discutida mais abertamente. Não é por acaso que somos o povo que mais consome ansiolíticos na Europa, e o segundo com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa (22,9%)1. Chegados a este ponto, manter as políticas atuais seria um enorme desrespeito pela saúde dos portugueses, sendo a saúde mental um pilar importante para uma boa qualidade de vida e considerando o seu impacto em todos os aspetos da nossa vida.
A COVID-19 trouxe consigo grandes desafios. Passando pelo distanciamento físico e o isolamento social, o luto coletivo e o medo que ele poderia, pode e ainda poderá causar-nos a nós como indivíduos. Estudos nos Estados Unidos da América (EUA) e na China demonstram o aumento das taxas de ansiedade e depressão relacionado com a COVID-19. No primeiro, por exemplo, 64% da população adulta entrevistada reportou sintomas de ansiedade ou depressão relacionadas com a pandemia2. Um aumento de 200% relativamente aos níveis pré-pandemia.
Está bem fundamentada a ligação entre saúde mental e saúde física, tendo pessoas com problemas de saúde mental maior probabilidade de desenvolver problemas cardiovasculares, respiratórios, infeções e doenças metabólicas3. Há evidência que demonstra uma redução na esperança média de vida entre 15 a 30 anos face à população geral, em países desenvolvidos, de certas doenças do foro psiquiátrico4. O impacto na saúde física e as diferenças na mortalidade e esperança média de vida já foram até chamados de “o escândalo dos direitos humanos”5. Uma comissão formada em 2019 pelo periódico Lancet, chamada The Lancet Psychiatry Commission, sumarizou a evidência científica de mais de 100 revisões da literatura e delineou um plano prático para proteger a saúde mental e física desta fração da população3.
Entre as recomendações está a integração dos serviços de saúde física com os serviços de saúde mental, de forma a que a população tenha acesso a intervenções de estilos de vida como parte do seu tratamento. O objetivo seria uma abordagem holística do doente com monitorização contínua da saúde tanto física como mental, intervindo em comportamentos de risco modificáveis desde o primeiro contato com os serviços de saúde mental. Através da integração de profissionais qualificados de outras áreas da saúde nos serviços de saúde mental, e da sua intervenção para a melhoria de comportamentos como a atividade física, cessação tabágica, higiene do sono e dieta saudável seguidos naturalmente por profissionais qualificados, é possível alcançar uma melhoria da saúde mental até um nível interestelar.
Tal mudança no atual sistema de serviços de saúde mental iria exigir uma mudança do status quo, um continuado combate ao estigma, e uma redefinição do que é a saúde mental. É possível que os recursos necessários para uma reorganização destes serviços de saúde e introdução de programas de intervenção precoce sejam substanciais, mas constitui um investimento necessário a bem da saúde mental dos portugueses.
Filipa Sampaio
Faculdade de Ciências Biomédicas, Universidade de Uppsala, Suécia
Referências:
1 – Direção Geral da Saúde (DGS). Depressão e outras perturbações mentais comuns. https://www.dgs.pt/ficheiros-de-upload-2013/dms2017-depressao-e-outras-perturbacoes-mentais-comuns-pdf.aspx.
2 – McKinsey & Company. Helping US healthcare stakeholders understand the human side of the COVID-19 crisis: McKinsey Consumer Healthcare Insights. https://www.mckinsey.com/industries/healthcare-systems-and-services/our-insights/helping-us-healthcare-stakeholders-understand-the-human-side-of-the-covid-19-crisis#.
3 – Firth J, Siddiqi N, Koyanagi A, et al. The Lancet Psychiatry Commission: a blueprint for protecting physical health in people with mental illness. The lancet Psychiatry 2019; 6: 675–712.
4 – Newman SC, Bland RC. Mortality in a cohort of patients with schizophrenia: a record linkage study. Can J Psychiatry 1991; 36: 239–45.
5 – Thornicroft G. Physical health disparities and mental illness: the scandal of premature mortality. Br. J. Psychiatry. 2011; 199: 441–2.