Com a emergência inesperada da pandemia COVID-19, o debate público sobre a política da saúde tem sido dominado pela monitorização, controlo e resposta imediata aos doentes COVID-19 e pela resposta económica de curto prazo, sendo necessário preparar, à luz da informação atual, o serviço nacional de saúde português para uma fase prolongada de COVID-19 e para uma fase de pós-COVID.
Enquanto que muito se tem discutido sobre o papel dos epidemiologistas, menos se tem dito sobre como outras áreas do conhecimento como a economia da saúde podem contribuir para uma tomada de decisão informada pelo governo e autoridades de saúde.
Centrando-se a economia da saúde na geração de conhecimento e de ferramentas para informar como melhorar a afetação de recursos escassos a fins múltiplos do sistema de saúde, existem oportunidades para os economistas de saúde ajudarem a moldar as atuais e futuras mudanças.
Não pretendendo ser nem exaustiva nem detalhada sobre estas oportunidades, apresenta-se um conjunto de áreas onde os economistas da saúde podem assumir um papel chave no atual contexto, liderando equipas multidisciplinares com valências, perspetivas e métodos complementares:
Ao nível das políticas de saúde, afigura-se como central desenvolver estudos sobre as preferências e escolhas sociais dos portugueses – nomeadamente face à relevância de objetivos económicos, de promoção de saúde e de ambientes saudáveis e de sustentabilidade – de forma a informar o desenho e avaliação de políticas. Face à emergência de estudos que mostram que a crise está a afetar desproporcionalmente grupos vulneráveis e com baixo rendimento, importa refletir sobre que políticas em saúde, e para a saúde, têm maior potencial para ajudar estes grupos.
Ao nível do planeamento de cuidados de saúde, é relevante a economia de saúde investigar como redesenhar no atual contexto as redes de prestadores e de serviços que incluem os cuidados de saúde primários, hospitalares, cuidados continuados e linhas telefónicas de saúde. Este redesenho deve considerar a existência dos doentes COVID-19 e não COVID-19, a adoção de novas tecnologias de tele-saúde e saúde eletrónica, alterações nos percursos clínicos dos doentes alinhados com a promoção do valor em saúde, e mecanismos de colaboração. A este redesenho de redes deve estar associado o estudo de sistemas de incentivos e de financiamento que promovam essa colaboração e uma adequada coordenação entre entidades.
Ao nível da gestão de cuidados de saúde, tendo em conta o adiamento recente de uma elevada quantidade de produção programada a vários níveis de prestação, será necessário desenvolver estudos para analisar globalmente e localmente as necessidades, priorizar serviços e doentes, criar métodos de apoio ao planeamento e reescalonamento de serviços, assim como estudar preços para apoiar a tomada de decisão central e local e o uso combinado dos prestadores públicas e privados.
Sabendo-se que muitas instituições aumentaram o ritmo de adoção de novas tecnologias e de intervenções em saúde (p.e. tele-saúde), alteraram processos de prestação e estão a prestar novos serviços de saúde, estudos de avaliação económica são essenciais para se perceber os benefícios, riscos e custos destas tecnologias e intervenções, e para o sistema aprender com a experiência e promover a réplica de boas práticas.
Conhecendo-se deficiências na informação disponível para apoiar a tomada de decisão, os economistas da saúde poderão ter um contributo na melhoria e desenho de novos sistemas de informação. A título de exemplo, sistemas para monitorizar e analisar periodicamente a evolução da saúde mental, a qualidade de vida em múltiplos contextos, e o mercado de trabalho em saúde são essenciais para melhorar o sistema de saúde e desenvolver investigação.
Por último, sabendo-se que na evolução da COVID-19 é central o comportamento das pessoas, pode a economia da saúde desenvolver estudos de economia experimental e comportamental para informar os modelos de previsão do impacto da pandemia e o impacto de políticas.
Estas e muitas outras áreas de investigação são essenciais para a comunidade de economia da saúde portuguesa continuar o seu legado histórico de promoção de valores sociais e de saúde, e de influenciar com base na ciência e evidência a política de saúde em Portugal.
Mónica Oliveira
Departamento de Engenharia e Gestão / Centro de Estudos de Gestão do IST
Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa